sábado, 5 de novembro de 2011

Capítulo 5: Separação dos Cristãos do Oriente dos do Ocidente

Preâmbulo
1- Os Judaizantes (séc. I)
2- Simão Mago (séc. I)
3- Os Nicolaítas (no final do séc. I)
4- Gnosticismo (séculos I e II)
5- Monarquismo (ou Monarquianismo à maneira brasileira)? (Começado por volta do ano 170)
· O Adopcionismo
· O Modalismo
6- Os Montanistas (séc. II - cerca do ano 172
7- O Ebionismo (séc. II)
8- O Maniqueísmo
9- O Milenarismo ou Quiliasmo
10- A caminho da cisão definitiva
· 1º- O amanhecer da cisão - o Arianismo
· 2ª Cisão – o Macedonianismo
· 3ª Cisão – o Nestorianismo
· 4ª Cisão – o Monofisismo
· 5ª Cisão – o Monotelismo
· 6ª Cisão – os Iconoclastas
· 7ª Cisão – o Grande Cisma Cristão
5- Divisões na Igreja Romana
11- Bibliografia






Preâmbulo
Pergunta-se, por vezes quando é que se deu a separação entre as Igrejas Orientais e a Igreja Católica. Pois bem, se a separação definitiva teve lugar em 1054 (séc. XI), ficando a ser conhecido pelo nome de “Grande Cisma”, os seus começos remontam a tempos muito anteriores.
Talvez não esteja demasiado desajustada a afirmação de que a separação entre Cristãos do Oriente e Cristãos do Ocidente tenha começado verdadeiramente no século IV, por três razões que passo a apontar:
1ª Basear-se no aparecimento de heresias que foram condenadas em Concílios Ecuménicos[1], ou seja, em Concílios nos quais tomaram parte Bispos de Roma e do Patriarcado de Constantinopla;
2ª Motivar a consolidação de uma nova igreja de cariz cristão que se separou, passando a organizar-se e a promover-se separadamente das Igrejas de Roma e de Constantinopla;
3ª Basear-se na efectiva divisão do Império de Constantino em dois impérios: o do Oriente e o do Ocidente que ocorreu em 395, durante o governo do Imperador Teodósio, ficando Bizâncio (com o novo nome de Constantinopla) capital do império do Oriente e Roma como Capital do Império do Ocidente.
Antes de tratar o tema da separação entre Cristãos Orientais e Cristãos Ocidentais convém recordar que, ainda antes da separação definitiva, iniciada no século IV, já tinham existido outras muitas heresias, atribuídas a líderes que fundaram e dirigiram grupos de cristãos que vieram a causar dissidências no seio do Cristianismo Prmitivo, mas que, nem por isso, as considero causadoras de verdadeiros cismas entre esses dois principais blocos cristãos (Oriente e Ocidente), mas tão somente divisões dentro do Cristianismo dos três primeiros séculos. São elas as seguintes:
1- Os Judaizantes (séc. I)
Trata-se de uma corrente, originada entre os primeiros discípulos de Cristo. Como era sabido, os cristãos de Jerusalém, cujo chefe era o Apóstolo Tiago, opinavam que os convertidos por Paulo em Antioquia e Ásia Menor deveriam ser obrigados a circuncidarem-se e a sujeitarem-se aos preceitos mosaicos. Os Cristãos de Jerusalém quiseram exigir de Tiago que tais obrigações fossem impostas a esses e a todos os convertidos vindos do paganismo. Contra estas exigências, apadrinhadas pelo próprio Pedro, insurgiu-se Paulo. Reuniram-se os Apóstolos em Jerusalém, entre os anos 49-50 e aí ficou determinado aquilo que Tiago expôs numa Carta Apostólica a qual foi enviada aos Cristãos da Síria e da Cilícia pelos seus enviados, Barnabé e Paulo, com os quais seguiram também Judas e Silas tendo estes a incumbência de a comunicarem de viva voz:

Os apóstolos e os anciãos, vossos irmãos, aos irmãos dentre os gentios que moram em Antioquia, na Síria e na Cilícia, saudações! Tendo sabido que alguns dos nossos, sem mandato de nossa parte, saindo até vós, perturbaram-vos, transtornando vossas almas com suas palavras, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, escolher alguns representantes e enviá-los a vós junto com nossos dilectos Barnabé e Paulo, homens que expuseram suas vidas pelo nome de nosso Senhor, Jesus Cristo. Nós vos enviamos, pois, Judas e Silas, os quais vos transmitirão, de viva voz, esta mesma mensagem. De fato, pareceu bem ao Espírito Santo, e a nós, não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias: que vos abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas, e das uniões ilegítimas. Fareis bem preservando-vos destas coisas. Passai bem. (Act., 15, 23:29, cf. Soares, 1964, p. 1333).
2- Simão Mago (séc. I)
Um Mago da Samaria (possivelmente o iniciador do Gnosticismo cristão) e referido nos Actos dos Apóstolos (cap. 8, 9-24). Para os Gnósticos, o mago da Samaria era um "rival" de Cristo e fundou uma seita que se proclamava representante da Gnose, juntamente com a sua companheira Helena, uma ex-prostituta, que, segundo o mago, era a encarnação de Sophia e de Helena (Ἑλένη) de Tróia[2].
3- Os Nicolaítas (no final do séc. I).
O seu nome significa "vitória sobre o povo" ou "os que dominam o povo". Deixavam-se levar por uma liberdade exagerada e, movidos pelo instinto carnal de DOMÍNIO, pela soberba e pela torpe ganância de posição e riquezas, acabavam por degenerar nos excessos da carne;
4- Gnosticismo (séculos I e II)
“Era formado por diferentes agrupamentos sincréticos, os quais resultavam da união de diversas ideias helenísticas e orientais, com ideias cristãs” (Llorca, 1960, Vol. I, p. 69): Da Filosofia grega tiraram o Mundo das Ideias Platónicas; do neopitagorismo e neoplatonismo provieram princípios ascéticos, ou seja: uma espécie de mística exagerada, ou panteísmo; outras ideias vieram das religiões orientais, como do Egipto, Pérsia e Caldeia; ideias cosmogónicas dos Persas e dos Hindus; finalmente vários princípios cristãos, sobretudo a ideia de Redenção (Llorca, Ibidem). Portanto, é um conjunto de doutrinas que pretende alcançar a redenção através de um conhecimento de Deus, do universo e da finalidade da vida humana. Tal conhecimento, contudo, passa eminentemente pela via da revelação mística e extática, antes de possuir carácter.
5- Monarquismo (ou Monarquianismo)? (Começado por volta do ano 170)
Embora admitisse a divindade de Cristo e a unidade da divindade, errava quanto ao modo de unir estes dogmas. Partia do fundamento da unicidade de Deus: Monarquiam tenemus. Como, por outro lado, admitia a divindade de Cristo e não concebia a unidade de Deus com a distinção de pessoas, afirmava que Cristo não era senão o mesmo que o Pai, mas sim com uma forma ou modalidade especial e diferente. Portanto o Pai, com modalidade de Filho, foi quem sofreu no Calvário: modalistas (de modalidade) (ou Modistas, de Modos. O Monarquismo por si mesmo não constitui um sistema teológico fechado, pois que se dividiu em duas correntes ou modelos diferentes e contraditórios, como:
· O Adopcionismo
que, por defender que Deus é superior a tudo e indivisível, o Filho não poderia, de maneira nenhuma, ser coeterno com o Pai. O máximo que poderia ter acontecido seria a sua adopção por parte de Deus-Pai para que, com ele, pudesse alcançar os seus planos relativos à salvação dos homens. Quanto ao momento desta adopção os próprios adopcionistas, entre os quais esteve Teodósio de Bizâncio, não concordam, pois segundo uns teria sido no momento do seu baptismo e segundo outros teria sido no momento da sua Ascensão aos céus. Esta heresia viria a ser renovada, em meados do séc. III, por Paulo de Samosata, segundo o qual “Cristo era um simples homem, em que habitava o Logos impessoal, virtude de Deus, duma maneira mais especial que nos Profetas. Cristo, portanto, sofreu segundo a sua natureza, mas por virtude desta força, operou milagres. Portanto, Jesus Cristo não foi senão um puro homem” (Llorca, Idem, p. 79).
· O Modalismo

Este pode confundir-se ou identificar-se com o Sabelianismo. Considera que Deus seja uma única pessoa, mas que se manifesta em três modos ou modalidades diferentes: como Pai, como Filho e como Espírito Santo. Esta vertente do Monarquismo, identifica-se ou toma o nome também de Sabelianismo por ter sido proposto, defendido e propagado, em Roma, por Sabélio, embora seja oriundo possivelmente da Líbia ou do Egipto. No ano 220 a sua doutrina foi condenada e ele excomungado pelo Papa Calixto, passando a ser alcunhados de Patripassionistas, visto que se não existissem a segunda e a terceira pessoas na Trindade, quem sofreu a Paixão e a morte na Cruz, teria sido o Pai, o que vai contra a doutrina da Trindade e da União Hipostática que é indissolúvel e que é a característica principal desta mesma Trindade, “Inseparabiliter, axoristo” como foi definida, de fé, e se encontra exarada no Símbolo do Concílio de Calcedónia, na Secção V, realizada a 22 de Outubro do ano 451: (Denz. 148 ou 302; cf. 283)[3].
6- Os Montanistas (séc. II - cerca do ano 172
Montano começa a pregar a sua heresia). Declarava-se possuído pelo Espírito Santo e, por isso, profetizava. Segundo as suas profecias iniciava-se, com a sua chegada, uma nova revelação, revelação esta que lhe era revelada a si próprio. A 1ª era cristã terminaria brevemente. Montano apresentava-se como se fosse o Espírito Paráclito. Pretendia provar tudo isto com os seus êxtases e inspiração imediata do céu e com o seu rigor de costumes, que afirmava estarem baseados na doutrina primitiva da Igreja. Ensinava, ainda, que a direcção das igrejas pertencia apenas ao Espírito Santo, pelo que se opunha à gerência dos bispos. As igrejas deveriam deixar-se guiar pela acção do Espírito Santo e não ser governadas pelos bispos. Essas igrejas, guiadas pelos bispos, separaram-se da verdadeira Igreja, a partir da data em que Igreja que vigorava na altura de Montano se aliou ao imperador romano, Constantino (século IV – 313 Edito de Milão). Embora existissem alguns seguidores nos século IV, atestado por Epifânio (Adversus Haereses 49,1,2-4) ao referir o episódio dos seus sequazes estarem reunidos numa igreja à espera da inauguração da nova fase da revelação divina, além da neotestamentária e ainda por Eusébio, Bispo de Cesareia, na sua obra Historia Ecclesiastica (V, 14-16), referindo-se a essa heresia como Heresia Frígia.
7- O Ebionismo (séc. II)
Esta heresia negava a divindade de Jesus Cristo e, embora aceitasse o Antigo Testamento, rejeitava o Novo, substituindo-o pelo “Evangelho dos Ebionitas”. O termo deriva do vocábulo hebraico do אביונים, Evyonim (ou Ebionim), "pobres". Esta heresia originou uma nova igreja no Cristianismo Primitivo, segundo a qual os cristãos e gentios, assim como os judeus deveriam seguir os mandamentos da Torah e não os ensinamentos de Jesus e de Paulo. Na verdade, os mandamentos daquela foram substituídos pelos mandamentos da Nova Aliança, segundo a doutrina de Cristo e de Paulo.
8- O Maniqueísmo
Doutrina do persa Mani ou Manes (séc. III), (prolongamento do Gnosticismo) que fundou um movimento baseado numa fusão do dualismo persa com algumas ideias budistas e uma boa parte de princípios Cristãos. Os princípios básicos da sua doutrina eram: Oposição eterna entre os dois princípios: a Luz e as Trevas; o Bem e o Mal, ou seja, entre Ormuzd e Ahariman. O primeiro é rodeado pelos elementos puros, luz, fogo, agia[4] e terra; o segundo (Ahariman) é rodeado por trevas, barro, vento, fogo e fumo. Tão sedutora s apresentava esta doutrina que o próprio Santo Agostinho, nos seus inícios, se deixou influenciar por ela, mas, depois, de bem estudada, terminaria por vir a combatê-la.
9- O Milenarismo ou Quiliasmo
Este nome vem de Xília etei – mil anos. Entre os primeiros Cristãos, o Milenarismo difundiu-se pela Ásia Menor, Egipto, a partir do século III. Consistia esta doutrina na esperança de que, no fim do mundo, Cristo, depois de vencer o Anticristo, aparecerá corporalmente e instaurará na terra um reinado de mil anos com todos os justos ressuscitados. Depois destes mil anos de triunfo, dar-se-á a ressurreição. Esta doutrina baseava-se no capítulo 20, versículo 1-10 do Livro do Apocalipse de São João, onde se diz que antes da ressurreição dos mortos haverá um reinado de Cristo com os seus eleitos durante mil anos: “Os outros mortos não tornarão à vida até se completarem os mil anos” (v. 5).
10- A caminho da cisão definitiva
· 1º- O amanhecer da cisão definitiva - o Arianismo
O amanhecer da separação entre ocidentais orientais, ocorreu em 325 (séc. IV). Ário, sacerdote líbio, radicado em Alexandria negava que Jesus tivesse a mesma natureza que Deus Pai. A sua pessoa, doutrina e seus seguidores foram condenados no Concílio de Niceia (o Primeiro Concílio Ecuménico), saindo dessa condenação o Arianismo, o Igreja Ariana que se propagou por várias regiões, chegando, inclusive, à Península Ibérica com os Visigodos.
· 2ª Cisão – o Macedonianismo
A 1ª Cisão: foi originada em 381 (séc. IV) pela doutrina de Macedónio I, Arcebispo e Patriarca de Constantinopla o qual defendia e ensinava que o Espírito Santo era apenas uma criatura de Deus, praticamente como os anjos. Foi condenado no Segundo Concílio Ecuménico realizado na mesma cidade de Constantinopla na cidade. Desta condenação surgiu uma nova Igreja chamada Macedoniana ou Macedonianismo a que correspondem os Macedonianos (Os seus adeptos ou seguidores), defendendo que nós não herdámos o pecado de Adão, mas nos tornamos pecadores pela solidariedade que, ao nascermos, formamos com ao comunidade pecadora e contra os quais combateu Santo Agostinho, propondo uma doutrina contrária.
Entre os anos 379-392, o imperador Teodósio I (379-395) procedeu a uma remodelação intensa no que respeita à implantação do Cristianismo, promovendo a sua doutrina “contra o Arianismo muito pujante, então, e contra outras heresias”. Em 381 publicou uma lei que dizia ser de sua vontade “que todos os súbditos abraçassem a fé Católica, pregada por S. Pedro e defendida pelo bispo Dâmaso em Roma”, vindo a terminar esta vontade com o Concílio de Constantinopla a que já nos referimos contra o Arianismo. Em 383 publicou nova lei pela qual se retirava “aos apóstatas cristãos o direito de fazer testamento e se lhes proibia toda a espécie de sacrifícios”. Em 386 mandou encerrar todos os templos pagãos e em 1m 392 o culto pagão é considerado crime de lesa-majestade pelo que todo o adorador será punido por isso (Llorca, 1960, Vol. I, pp. 121-122).
Em 402, começam as primeiras invasões dos Visigodos, Suevos, Vândalos e Alanos. Os Vândalos (de igreja Ariana), foram os primeiros a tentar invadir o Império Romano, sendo comandados por Alarico, mas foram vencidos em Verona, pelo general Estilicão que, embora vândalo de origem, se encontrava ao serviço do Imperador Honório. Mais tarde, Wália, sucessor de Alarico viria a instalar-se e a fundar o Reino Visigótico em Espanha, introduzindo, aqui, o Arianismo que viria a difundir-se por toda a Península Ibérica, “apesar de nela predominarem as igrejas ortodoxas” (Llorca, idem, p. 132).
· 3ª Cisão – o Nestorianismo
A 2ª Cisão teve lugar no ano 431 (séc. V), sendo a razão desta a doutrina de Nestório que negava que a Virgem Maria, mãe de Jesus pudesse ser chamada “Mãe de Deus (Θεοτόκος, Theotokos – Theos, “Deus” + tokos “portadora”. Ela só poderia ser “Mãe de Cristo” (Chistotokos) - Χριστός (Khristós) que significa "Ungido". Realizou-se o Terceiro Concílio Ecuménico realizado em Éfeso condenou essas doutrina e definiu que Maria era “Mãe de Deus”. Daqui surgiu um novo cisma e uma nova Igreja dissidente se estabeleceu, chamada Igreja Nestoriana. A fórmula utilizada no Concílio em forma de anátema foi a seguinte:

Si quis non confitetur, Deum esse secundum veritatem Emmanuel et propter hoc Dei genitricem sanctam Virginem (genuit enim carnaliter carnem factum qui est ex Deo Verebum), anathema sit, sendo a fórmula grega a seguinte: kaì dia touto theotókon tèn ‘agían parthénon… (cf. Dez., 1965, nº 252 =113, p. 93).
O Nestorianismo chegou à China, como se depreende de uma inscrição (parte em chinês, parte em siríaco) que foi erigida no ano 781 e na qual se relata o progresso do cristianismo nestoriano ali introduzido, segundo consta, pelo monge A-lo-pên, vindo de Ta-chin que provavelmente se deve referir à Síria já no século VI.

O Nestorianismo chegou à China, como se depreende de uma inscrição (parte em chinês, parte em siríaco) que foi erigida no ano 781 e relata a progressão do cristianismo nestoriano e que, segundo consta, foi introduzido pelo monge A-lo-pên, vindo de Ta-chin que, provavelmente, se deve referir à Síria, já no século VI[5].
· 4ª Cisão – o Monofisismo
A 3ª Cisão deu-se em 451 (séc. V). Neste ano reuniu-se, na cidade de Calcedónia, o quarto concílio ecuménico para condenar a doutrina de Eutiques, superior de um Convento próximo de Constantinopla que ensinava existir em Cristo apenas uma natureza, a divina, e que Jesus, portanto, não era uma pessoa humana e não possuía uma alma como os outros homens. Pelo facto de defender, em Jesus, um única natureza (Mono + physis) veio a chamar-se a essa heresia Monofisismo e aos seus seguidores Monofisitas, donde a Igreja Monofisita. Esta mesma heresia viria a ser novamente condenada no 5º Consílio Ecuménico, no ano de 553 (séc. VI).
No período que vai do ano 622 (ano em que Maomé saiu de Meca (Hégira) até ao ano 711, ano em que o Muçulmanos entraram na Península Ibérica (comandados por Alkaman) esta nova religião passou a ser a maior concorrente e inimiga do Cristianismo, tanto no Ocidente, como no Oriente. Porém, os exércitos maometanos, sofreram a primeira derrota em 718 que lhes foi infligida pelas tropas cristãs, em Covalonga, sob o comando de Pelaio. De seguida dirigiram-se às Gálias, sendo, de novo, derrotados em Poitiers, por Carlos Martel, em 732. Daí em diante, o Cristianismo teve sempre de se preocupar com o seu avanço, pois vieram rapidamente a conquistar a Arábia, várias províncias do império bizantino, assim como os patriarcados de Jerusalém, de Antioquia e de Alexandria, e, bem assim todo o norte de África (Llorca 1960, Vol. I, pp. 143-144).
· 5ª Cisão – o Monotelismo
A 4ª Cisão foi levada a cabo pelo Monotelismo. Esta heresia foi condenada no 6º Concílio Ecuménico que se realizou anos de 680-681 em Constantinopla. Monotelismo ("monos" = uma, "thelema" = vontade uma só vontade) foi ensinado e defendido pelo Patriarca Sérgio de Constantinopla e acolitado pelo Imperador do Oriente, Heráclio. Desta condenação surgiu a Igreja Monotelita.

· 6ª Cisão – os Iconoclastas
A 5ª Cisão ocorreu em 787 (séc. VIII) devido à heresia dos “Iconoclastas” (ou “destruidores das imagens”), que, entre os anos 754-843 proibiam o culto das imagens (Ícones), martirizaram quem não acatasse tal proibição e, por conseguinte, defendiam e praticavam a destruição das imagens sacras. Veio a ser reintroduzido após a condenação dessa heresia no 7º concílio ecuménico, realizado em Niceia no ano de 787, no qual se legitimou o uso e veneração das imagens dos Santos. Esta decisão conciliar ficou sendo conhecida nas Igrejas Ortodoxas como o “Dia da Ortodoxia” ou “Dia da Vitória”. Surgiu, no entanto, uma nova igreja, chamada “Igreja Iconoclasta”.

· 7ª Cisão – o Grande Cisma Cristão
A 7ª ou derradeira cisão ficou a ser conhecida pelo nome de "Grande Cisma Cristão”. Teve lugar em 1054 (séc. XI) e teve origem em diversos factores: culturais, políticos, doutrinários, eclesiásticos.
Não houve propriamente um Concílio Ecuménico, mas, pelo contrário, um malfadado encontro entre representantes do Papa Romano, Leão IX e o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário e seus acompanhantes.
Efectivamente, em 1054, o Papa Leão IX[6] fez-se representar pelo seu Legado, o Cardeal Humberto de Moyenmoutier. Este de espírito intempestivo, dia 16 de Julho de 1054, colocou em cima do altar da Hagia Sofia uma Bula com a qual excomungava o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, por este não se sujeitar à vontade do Papa Romano.
Do lado do Ocidente estavam os interesses dos imperadores Carolíngios que coincidiam com as pretensões teocráticas do papado romano (Cesaro-papismo); do outro lado estavam em jogo o brio do Oriente, a pátria dos grandes “Padres do Deserto” ou dos primeiros monges do Cristianismo; dos primeiros 7 primeiros e grandes Concílios ecuménicos (Niceia, em 325; Constantinopla, em 381; Éfeso, em 431; Calcedónia, em 451; Constantinopla II, em 553; III Constantinopla, em 680 e o II de Niceia, em 787) nos quais se solidificou a doutrina da Igreja Universal.
A igreja de Roma não contente com a possessão das tumbas de Pedro e Paulo, reclama a obediência de Constantinopla. Duas concepções de Igreja se defrontavam: em Roma a concepção piramidal, enquanto em Constantinopla vigorava a concepção colegial do poder episcopal. Duas concepções que vigorarão até ao século XX: o sistema católico romano e o sistema Ortodoxo do Oriente.
Curiosamente, nesta e noutras questões Roma estava em pé de desigualdade e de inferioridade, uma vez que as questões eram debatidas entre os principais do Oriente, enquanto Roma era apenas representado por Legados Pontifícios.
Assim em 1054, Leão IX fez-se representar pelo seu Legado, o Cardeal Humberto de Moyenmoutier. Este de espírito intempestivo, dia 16 de Julho de 1054, colocou em cima do altar da Hagia Sofia uma Bula com a qual excomungava o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, por este não se sujeitar à vontade do papa. Miguel Cerulário, por sua vez, convocou rapidamente um concílio constituído por vinte bispos e responderam com excomunhão semelhante atingindo com esta o papa de Roma. Assim se consumou o cisma entre Oriente e Ocidente, cisma que perdura ainda hoje, embora se tenham mostrado atitudes mais compreensivas ultimamente (Tincq, 2010, p. 102-103).
A partir daí, a Igreja de Constantinopla ficou a chamar-se “Igreja Ortodoxa”, nome que lhe adveio do grego "orthos" = recto, correcto e "doxa" = louvor, significando com ele “Igreja que presta a Deus o correcto louvor”. Por seu lado, a Igreja de Roma ficou com o nome de “Igreja Católica” do grego καθολικός (katholikos), no sentido de "universal" ou "geral"), dependendo da única autoridade do Papa Romano.
5- Divisões na Igreja Romana
A Igreja Romana viria a sofrer nova divisão no século XVI, com os Reformadores que constituiriam, pelo menos as seguintes Igrejas: Luterana, Calvinista, Wicclefista, Anglicana que, por sua vez se iriam subdividir em muitas outras, por exemplo:



1519 e + : Igreja Luterana (1ª) (Alemanha), seguida da Igreja Calvinista (Suiça) separam-se da Igreja Católica[7].
1534: Igreja da Inglaterra (2ª) separa-se da Igreja Católica;
1581: Igreja Congregacional separa-se da Igreja da Inglaterra (a)
1559 A Igreja Presbiteriana (3ª) separa-se da Igreja Católica;
1608 Igreja Baptista separa-se da Igreja Congregacional (i)
1650 a Sociedade dos Amigos separa-se da Igreja Congregacional (ii);
1784: A Igreja Metodista separa-se da Igreja da Inglaterra (b);
1820: A Igreja Exclusiva dos Irmãos e a Igreja dos Irmãos separam-se da Igreja da Inglaterra (c)
1865: A Salvation Army separa-se da Igreja Metodista;
1900: A Igreja Pentecostal e a Igreja Carismática Independente separam-se da Igreja Metodista;
1972 A U.R.C. (United Reformed Church) nasce das Igrejas Presbiteriana e Congregacional
Por outras palavras:
1- Da Igreja Católica separaram-se:
A Igreja Luterana[8], em 1519;
A Igreja Calvinista, depois de 1519;
A Igreja da Inglaterra, em 1534;
A Igreja Presbietriana, em 1559;
2- Da Igreja da Inglaterra separaram-se:
A Igreja Congregacional, em 1581;
A Igreja Metodista, em, em 1784;
A Igreja Exclusiva dos Irmãos e a Igreja dos Irmãos, em 1820;
3- Da Igreja Congregacional separaram-se:
A Igreja Baptista, em 1608;
A Igreja da Sociedade dos Amigos, em 1650;
4- Da Igreja Metodista separaram-se:
A Igreja “Salvation Army”, em 1865;
A Igreja Pentecostal e a Igreja Carismática Independente, em 1900;
5- Das Igrejas Presbiteriana e Congregacional nasce a U.R.C, em 1972.
NOTAS
[1] O vocábulo Ecuménico procede da palavra grega "οἰκουμένη", que se aplicou primeiramente ao Império Romano e, em seguida, a todo o mundo habitado. No Mundo Cristão e por analogia foi aplicado às Reuniões dos Bispos pertencentes às Igrejas do Império do Oriente e do Império do Ocidente cuja finalidade era a de dirimir questões cristológicas, ou seja, para averiguar e condenar certas heresias que discordavam da doutrina, dita “ortodoxa” (correcta) da Igreja Universal de Cristo, denominada Cristianismo. Até ao século XI, altura da separação definitiva das Igrejas de Constantinopla e de Roma realizaram-se sete Concílios Ecuménicos.
[2] Esta Helena foi aquela bela mulher de Menelau, irmão de Agameon, filhos de Atreu, rei de Micenas que, depois de casada e ter uma filha, chamada Hermíone, os abandonou para fugir com Páris para Tróia. Foi devido a este episódio que os gregos Menelau, Agameon, Aquiles e outros se juntaram e declararam guerra aos habitantes de Tróia.
[3] Batmann, 1962, p.65.
[4] Agia (Αγία), palavra grega que significa “santo” (a forma feminina), por exemplo, Agia Varvara que é a versão cirílica do grego Варвара (Βαρβάρα).
[5] José Coelho Matias, 2010). Capítulo 23: “Cristianismo na China”. In História das Religiões. (Apontamentos para os Ouvintes da Universidade Sénior, Pólo de Sacavém).
[6] Nasceu a 21 de Junho de 1002 em Eguisheim (Alsácia); foi designado sucessor de Dâmaso II pelo imperador Henrique III ( o que revela a ingerência política na eleição do papa). Foi, depois eleito, em Dezembro de 1048, e, finalmente, aclamado unanimemente em Roma e consagrado em Fevereiro de 1049 e veio a falecer a 19 de Abril de 1054, igualmente em Roma. Foi o 153º papa da Igreja Católica. Tornou-se um grande reformador da Igreja, abolindo: a taxa eclesiástica (a Simonia)); o casamento bem como a concubinagem dos padres (o Nicolaísmo); os cargos principescos e políticos dos bispos no âmbito do Império, exigindo que eles fossem apenas simples teólogos; e pugnou pelo retorno dos valores do cristianismo primitivo.



[7] O percursor desta separação foi inglês John Wiclef (1330-1384), cuja doutrina herética negava a transubstanciação e afirmava ser a Bíblia a única e verdadeira fonte da fé, a qual cada um podia estudar por si mesmo. F. Wiclef, n. pr.
[8 A Religião oficial da Noruega chama-se “Igreja Luterana Evangelista da Noruega”, à qual pertencem, pelo menos nominalmente, 83% dos noruegueses.
11- Bibliografia
Bartmann, Bernardo (1962). Teologia Dogmática, A Redenção – A Graça – A Igreja. Vol II. São Paulo: Edições Paulinas. Título original: Leherbuch der Dogmatik. Verlag Herder Und Co. Freiburg Im Br. – Deutsc. Achte Auflage, 1932;




Carreira das Neves, Joaquim. "A Mãe e os irmãos de Jesus". [on line][Consult. 16-01-2012] Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4422.pdf;
Denz.= Denzinger Heinrich Joseph Dominicus. Enchiridion Symbolorum et Definitionum et Declarationum de Rebus Fidei et Morum. (Manual de credos e definições), cuja primeira edição teve lugar em Würzburg, 1854). Mais tarde a sua edição teve melhoramentos que foram introduzidos pelo jesuíta Adolf Schönmetzer, facto que a dita obra passou a ser conhecida pela sigla "DS" (para "Denzinger-Schönmetzer"). A edição que utilizamos é a XXXIV de 1967, Barcelona: Editora Herder (p. 93);



Dodd, Charles Harold (1971). The Founder of Christianity. London: Collins St James’s Palace.
Eliade, Mircea (2004). Tratado de História das Religiões. Porto: Edições ASA.
Ling, Trevor (2005). (2ªed.). História das Religiões. Lisboa: Editorial Presença.
Llorca, Bernardino (1960). Manual de História Eclesiástica (Vols. I e II). Porto: Edições ASA.

Capítulo 4: Culto dos Mortos nas várias culturas e nos diferentes PovosCulto dos Fiéis Defuntos (cont.)

5- Na Índia
6- Entre os Gregos
7- Entre os Romanos
8- Na Península Ibérica
9- Entre os Japoneses
10- Entre os Chineses (Confucionismo e Taoísmo)
11- Entre os Mexicanos
12- Entre os Mukulu Bantu (Angola - África)
13- Conclusão geral
14- Bibliografia
Na Índia


Na Índia, o culto prestado aos Antepassados encontra-se atestado nos Hinos do Rig-Veda (os Livros das Leis de Manu), mas é aceite comummente de que tal prática se encontrava presente nas sociedads Hindus anteriores, como, por exemplo, nos grupos que seguiam já a Religião do Brama, considerada muito anterior à redacção desses Hinos.
Nas Leis de Manu (I, 95; III,122, etc.) preceituava-se a oferta da refeição chamada sradha que consistia na oferta de arroz e era dirigida pelo chefe da casa (sraddha).
Esta carinhosa oferta deveria ser feita regularmente, de modo a que todos se sentissem felizes, pois, acreditava-se que os espíritos dos antepassados vinham assistir a esse banquete e que tal participação lhes concedia alegria e paz[1].
À semelhança dos Gregos, os Hindus consideravam os Mortos seres divinizados, mas que necessitavam de oferendas dos Vivos as quais deveriam ser feitas regularmente de modo a sentirem-se felizes e que sem elas sairiam dos túmulos, tornando-se errantes e atormentadores dos Vivos[2].


6- Entre os Gregos
Na Grécia pré-homérica e antes de ali se fixarem os povos indo-europeus, cuja presença teve lugar por volta do século VIII (a. C.) os seus habitantes encontravam-se agrupados em grupos de maior ou menor dimensão aos quais se dava o nome genérico de Genos. Todos esses Genos obedeciam a um chefe ou Patriarca (“Pater famílias”) ao qual cabia a função, não só de administrar a justiça cujas leis se baseavam nos costumes ancestrais, mas também a de dirigir o culto prestado aos antepassados.
Tudo, nesse Genos, era colectivo: propriedades, rebanhos, inclusivamente o trabalho que era feito em prol do grupo. Como a economia grupal se baseava na agricultura e na pastorícia, nenhuma parte dessas duas possessões, ou parte delas, podiam ser alienadas sem razões plausíveis e sem o acordo de todos os seus membros. Se o trabalho a ser realizado era distribuído em iguais condições, o fruto desse era, também, repartido equitativamente, o que impedia diferenças no amontoar de riquezas, por quem quer que fosse ou pertencesse ao grupo (belo exemplo para as nossas sociedades modernas!).
O que sobrava da divisão desses bens era aplicado no enriquecimento geral e colectivo do grupo, sendo aplicado na compra de escravos (mão-de-obra), na contratação de artífices pertencentes a outros Genos e na aquisição de mercadorias que revertiam a favor do tesouro colectivo[3].
No tempo da Tirania, na Grécia, sistema que, proveniente da Ásia, foi introduzido na Grécia a partir do século Vl a.C , o exercício do poder tomou uma forma autocrática, passando a ser exercido por um só indivíduo com poderes absolutos e sobre um ou vários Genos, não tendo a palavra “tirania”, na altura, o sentido pejorativo que viria a tomar mais tarde. Esse sistema tirânico grego representava, também, os interesses colectivos[4].
Posteriormente, a partir do século VIII (a.C.), deu-se a desintegração desses Genos, provocada pelo “crescimento populacional e pelo aumento do consumo”[5], o que veio, consequentemente, a modificar-se a estrutura social. Ao colectivismo, sucedeu a distribuição da propriedade de modo desigual e injusto, porquanto “As melhores parcelas de terra foram tomadas pelos parentes próximos do pater, e por esse motivo, passaram a ser chamados de eupátridas (“bem-nascidos”).



O restante das terras foi dividido entre os georgóis (agricultores), parentes mais distantes do patriarca. Nesse processo de divisão, os mais prejudicados foram os thetas (marginais), para os quais nada restou”. Desta nova sociedade fez surgir a Basliseu (Βασιλεύς) a ideia da formação de do Demos (“Povo” ou “Povoado”) que se desenvolveria até chegar à formação de uma sólida agregação das várias Tribos (Ibidem).
Neste período (tempo de Εὐριπίδης c. 480-406 e de Σωκράτης, 469–399) deu-se um grande incremento do racionalismo filosófico, que foi acompanhado por um crescimento paralelo de uma teologia alimentada por movimentos religiosos que era caracterizada pela crença na imortalidade da alma e pelas ideias escatológicas e que os mais dedicados à espiritualidade apelidaram de "Mistérios" (palavra proveniente do grego mysterion, por sua vez, de do verbo mýein “fechar, calar-se” que passou a significar “fechar a boca” e mýstes “que se fecha” e veio a originar a ideia de algo secreto) o que se apropriava a todo o iniciado que quisesse entrar num determinado movimento religioso ou espiritual.
O culto aos antepassados, porém, nem por isso sofreu qualquer interrupção, antes pelo contrário se arraigou ainda mais nas camadas sociais, surgindo e desenvolvendo-se uma espécie de catecumenato ao qual eram admitidos todos aqueles que desejavam pertencer a essa “irmandade”, emergindo, por isso, o que veio a chamar-se o ritual de “Iniciação”, considerando-se a doutrina ali ensinada e aprendida “Ensinamentos Exotéricos”[6]. Para o desenvolvimento destes ensinamentos muito viriam a contribuir as doutrinas de origem Frígia e Síria com a aceitação da Grande Mãe (Deusa-Terra) que os Gregos vieram a chamar Geia ou Gaia[7] e que, segundo a Teogonia de Hesíodo (126sq.), gerou Urano, que, por sua vez, gerou dela Doze Titãs (Oceano, Keos, Crio, Hiperião, Jápeto, Teia, Reia, Témis, Mnemosine, Febe, Tétis, Knonos) dos quais surgiram outros deuses gregos. Sobre o aparecimento dos deuses gregos existem outras histórias que podem ser lidas no seguinte site: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/MGGaia00 .html.
A denominação que os Gregos davam aos seus Antepassados defuntos estava relacionada com a condição em que se encontravam, ou seja, deuses subterrâneos. Em Ésquilo, um filho invoca deste modo o pai morto: “Tu, que és um deus debaixo da terra, sê-me propício”, enquanto Eurípides, ao falar do túmulo de Alceste[8], diz: “Junto a seu túmulo o viandante há de parar, e dizer: Esta é agora uma divindade feliz[9].
Quanto aos costumes fúnebres[10] mais frequentes ou comuns, tanto entre os Gregos, como entre os Romanos contavam-se os seguintes:
· Escrevia-se um epitáfio (… que ali repousava X…),
· Derramava-se vinho sobre a tumba para matar a sua sede;
· Depositavam-se alimentos para matar a sua fome;
· Sacrificavam-se cavalos e escravos que o tinham servido para continuarem a servi-lo;
· Negar a sepultura a alguém, seria torná-lo miserável.
Acreditava-se entre os Gregos que tais oferendas (sacrifícios, alimentos, libações) faziam com que os espíritos dos antepassados voltassem ao túmulo e, com estas oferendas, encontrassem alívio e se irmanassem nas características[11], passando a receber os nomes ou títulos de demónios ou de heróis[12].
Por sua vez, os Romanos deram-lhe os nomes de Lares, Manes[13] ou Génios. Assim o afirmava o filósofo e escritor satírico romano Lucius Apuleius (125 – 164 d.C.) quando dizia: “Nossos antepassados acreditaram que os manes, quando maus, deviam ser chamados de larvas, e de Lares quando eram benfazejos e propícios”[14], ou, ainda: “Génio ou Lar, trata-se do mesmo ser; assim o creram nossos antepassados”[15]. Esta mesma ideia se encontra em Marcus Tullius Cicero (sɪsɨr/; Classical Latin: [ˈkɪkɛro’] (106-43 a.C.); que, ao concordar com os Gregos, dizia: “Aqueles que os gregos chamam demónios nós chamamos Lares[16]”.



Se, por outro lado, os humanos deixassem de fazer essas oferendas, os Mortos sairia dos túmulos e, como “sombras errantes” gritariam durante a noite assombrada, como que a censurar e castigar essa negligência imperdoável[17].
7- Entre os Romanos



Desde que o morto tinha necessidade de alimento e de bebida, pensou-se que era dever dos vivos satisfazer às suas necessidades. Para isso o próprio Direito Romano consagrou-lhe alguns artigos a serem observados pela comunidade romana[18].
Estabeleceu-se, desse modo, uma verdadeira religião da morte, cujos dogmas logo se reduziram a nada, mas cujos ritos duraram até o triunfo do Cristianismo;
Os mortos eram considerados criaturas sagradas[19]. Os antigos davam-lhes os epítetos mais respeitosos que podiam encontrar; chamavam-nos de bons, de santos, de bem-aventurados[20]. Tinham por eles toda a veneração que o homem pode ter para com a divindade, que ama e teme.



Segundo o seu modo de pensar, cada morto era um deus[21].
Essa espécie de apoteose não era privilégio dos grandes homens; não se faziam distinções entre os mortos. Cícero afirma: “Nossos ancestrais quiseram que os homens que deixaram de viver fossem contados entre os deuses[22].” — Não era necessário ter sido um homem virtuoso; o mau tornava-se deus tanto quanto o homem de bem; apenas continuava, nessa segunda existência, com todas as más inclinações que tinha tido na primeira[23].
Os romanos davam aos mortos o nome de deuses manes: “Prestai aos deuses manes as honras que lhes são devidas — diz Cícero — pois são homens que deixaram de viver; reverenciai-os como criaturas divinas[24].”
Os túmulos eram os templos dessas divindades. Assim exibiam eles, em latim e em grego, a inscrição sacramental: Dis Manibus, theõis ethoníois. — Era lá que o deus permanecia sepultado: Manesque sepulti — diz Virgílio[25]. Diante do túmulo havia um altar para os sacrifícios, como diante do túmulo dos deuses[26].



Um túmulo estava isento da lei do Usucapião, por ser uma morada própria (10ª tábua da Lex Duodecim Tabularum, também conhecida pela forma abreviada de Duodecim Tabulae); estas 12 Tábuas ou Códigos que formavam a essência da Constituição da República Romana e dos Costumes dos Antepassados (Mos Maiorum) foram escritas entre os anos 451 (as dez primeiras) e 450 a.C. (as outras duas).

Estas mesmas viriam a constituir o fundamento do posterior Direito Romano que, por sua vez, serviu de base aos Códigos Jurídicos de todo o Ocidente. Infelizmente estas Tábuas perderam-se durante o incêndio que os Gauleses atearam a Roma no ano 390 a.C.
7.1- Conteúdo genérico das XII Tábuas.

· Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial;
· Tábua III - Normas contra os inadimplentes (não cumpridor dos compromissos);
· Tábua IV - Pátrio poder;
· Tábua V - Sucessões e tutela;
· Tábua VI - Propriedade;
· Tábua VII - Servidões;
· Tábua VIII - Dos delitos;
· Tábua IX - Direito público;
· Tábua X - Direito sagrado; Tábuas XI e XII – Complementares.






Raven Luques McMorrigú num artigo denominado “Altares Domésticos…” que publicou na secção Ibéria Aeterna[27] afirma :
Desde os nossos mais remotos Ancestrais, há a noção da importância não só física, como também mágico-psíquica do Fogo....seja a Fogueira, a Lareira, o Altar, o Fogão....ao redor do Fogo, Vida e Morte falaram de suas múltiplas facetas.......ao redor do Fogo, as Artes de preparar alimentos, remédios, artes e artesanatos, metalurgia e escultura se desenvolveram.....assim como também as Artes de criar cantos e contos que alimentam e curam a mente e o espírito.....
Com o passar dos séculos, o Fogo Doméstico, eixo nuclear do Clã, foi cada vez mais envolto em simbolismos e conceitos que remetem ao Sagrado. Tornou-se, entre os Ibéricos antigos, o Altar dos Ancestrais: o ponto focal simbólico da Espiritualidade Tradicional de nossos Ancestrais, e local onde a Tradição era repassada às novas gerações...



Outro exemplo do culto prestado aos mortos na Península Ibérica é a abundância dos monumentos megalíticos que encontramos em toda a parte, nomeadamente no solo português. Ora, é por demais sabido que tais monumentos serviram de sepulturas aos mortos e que era costume utilizarem-se, nos primórdios, tumbas colectivas, que são, hoje apelidadas de Antas ou Dólmenes.
9- Entre os Japoneses



Embora as práticas Xintoístas tenham sido codificadas em “Escrituras Sagradas” (Kojiki e Nihon Shoki) somente entre os séculos VII e VIII d. C., a Religião própria dos Grupos Japoneses primitivos era caracterizada por um culto que acompanhava a mudança das Estações do ano, sobressaindo as festas das colheitas e uma Cosmogonia e Mitologia exclusivamente japonesas que se fundamentavam nas tradições espirituais das culturas Yamato e Izumo, onde se adoravam os Kami (神) que poderemos traduzir na nossa língua por “espíritos” ou “divindades” e que podem ser elementos da natureza, como por exemplo, as “Montanhas Sagradas”(animismo), divindades, onde sobressai a deusa Amaterasu (politeísmo) ou os próprios imperadores, tornados divindades, principalmente depois da morte, como aconteceu com o imperador Hachiman.



Estes espíritos são representados pelos Japoneses através de objectos domésticos (um espelho, um prato, etc.) ou por outra qualquer representação, mais ao gosto das populações (espécie de andores, por exemplo), ou por pinturas como aquela de Morikami (1679-1748)[28].



O Xintoísmo moderno, embora possua um sistema teológico com uma autoridade central, não defende, nem pratica uma “teocracia única e exclusiva” e encontra-se um sincretismo religioso bastante grande, onde se fundem elementos budistas, confucionistas, taoistas e cristãos, à mistura com elementos xintoístas.
Este mesmo sincretismo pode encontrar-se nas comunidades japonesas da diáspora, nomeadamente na pequena cidade de Assai, situada no Paraná, como o atesta ANDRÉ, R. G na sua tese de doutoramento que defendeu em (2008), ilustrando-a com fotografias que foram reutilizadas pelo professor da Universidade Estadual de Maringá, Richard Gonçalves André, no seu trabalho "O Sagrado Evanescente: Análise da Religiosidade Nikkei por Intermédio de Sepulturas no Cemitério de Assaí (1932 – 1950)"[29] no qual analisa as representações e práticas mortuárias entre japoneses e descendentes em Assaí (Paraná) entre os anos 1932 e 1950, tendo, como fontes, sepulturas existentes no cemitério desse município.



10- Entre os Chineses (Confucionismo e Taoísmo)
Além de serem frequentes as práticas dos exorcismos, encontrava-se também muito arraigada a prática do culto prestado aos Antepassados, sendo inculcada, tanto no Confucionismo como no Taoísmo que são os dois exemplos mais claros das filosofias da Antiga China. Também, aqui, se acreditava que os Antepassados (Defuntos) poderiam influenciar, ajudar e iluminar os imperadores, governantes e o povo, tornando-se, por isso, prática comum, tanto entre o Povo como entre os imperadores e ministros imperiais.
Este dever não foi criado por Confúcio[30], mas apenas relembrado e inculcado como sendo uma consequência lógica do dever da “piedade filial”. Esse dever tão acarinhado e praticado entre os chineses, enquanto os pais viviam, deveria ser continuado mesmo depois da morte.
Para que tudo se processasse de acordo com as tradições e as crenças populares e imperiais, deveriam, todos, fazer-lhes as suas oferendas que, normalmente, consistiam em: alimentos, bebidas, armas de guerra e outros utensílios que eram diariamente utilizados por esses Antepassados.
Baseada nesta moral chinesa muito antiga, grandes correntes filosóficas cuja fundação data, mais ou menos, do ano 517 a.C tem sido atribuída a dois grandes homens – Lao-Tsze (-570 - 490 +-) e Confúcio (551 a.C. - 479 a.C+-), a partir dos quais se difundiu por todas as regiões da China e fora desta.
É de notar que Lao-Tszé, embora pertença ao mesmo século, é mais velho do que Confúcio (cerca de 40 anos), mas conheceram-se e discutiram seus próprios pontos de vista (Potter, 1937, p. 193).
Lao-Tszé, que viveu 4 séculos antes de Jesus Cristo, ensinou uma doutrina, semelhante à deste no que diz respeito à máxima: “paga o mal com o bem”.



Lao-Tszé dizia:
“Para aqueles que são bons comigo, eu serei bom.
Para aqueles que não forem bons para comigo,
eu serei bom também.
E, assim, tudo se tornará bom"[31].
“Recompensa a injúria com a gentileza”[32].



Cristo, por seu lado, veio também dizer:



Ouvistes o que foi dito:
Amarás o teu próximo



e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, digo-vos:
Amai os vossos inimigos,
Fazei bem aos que vos odeiam,
Orai pelos que vos perseguem e caluniam,
Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mt. 5, 43-449[33].



Contrariamente, Confúcio não concordou com ele e susteve o princípio da reciprocidade, dizendo: “Recompensa a injúria com a justiça,
Recompensa a gentileza com a gentileza”[34].
Datas propícias para as oferendas
A data principal era aquela em que se celebrava a Festa da Pureza que caía por volta do mês de Abril. Nesta Festa celebravam-se os antepassados, fazendo-lhes ofertas de bens materiais, como também se renovavam os seus túmulos. Cada ano, por volta do dia 5 de Abril, celebrava-se a Festa da Pureza e Serenidade. Tratava-se de uma ocasião para oferendas aos antepassados, e também para renovar os túmulos. Era propícia para se realizar essa comemoração vista ser um tempo agradável, brotando verdura e flores e ser um tempo propício para as pessoas darem umas voltas pelos campos verdejante. Por esta razão chamou-se a essa festa a "Festa de Pisar o Verde"[35].
É prática ainda hoje existente, em Macau, Hong Kong e na China continental, contando-se entre essas práticas, o célebre Festival dos Fantasmas, ou Espíritos Famintos. Tais costumes, se por um lado, incutem nos Vivos, um certo respeito e medo, por outro lado dão-lhes um certo consolo e alívio no seu dia-a-dia[36].
11- Entre os Mexicanos



Também no México se celebra o Dia dos Mortos e este costume remonta à Civilização Maia que ocupou esse território cerca de 3.000 anos antes da chegada e conquista dos Espanhóis. Tinha lugar, normalmente, no mês de Agosto, era presidida pela Deusa Mictecacíhuatl, ou “Dama da Morte” e era dedicada às crianças e parentes falecidos.
Os próprios Azetecas, que, à data da chegada dos Espanhóis, se encontravam no poder, embora também ali existissem outros povos, como os Toltecas, Olmecas, Purépechas, Tarahumaras e Tojolabales, viram-se obrigados a adaptar ao Cristianismo, ora introduzido, tanto os seus ritos e a sua maneira de se relacionar com os mortos e com a morte, como também o conjunto das crenças e da doutrina religiosa, na sua própria substância. Não deixaram, porém, de conservar, evidentemente, muitas das formas e crenças ancestrais, procedendo a um certo sincretismo religioso. Assim, permaneceu, sempre entre os “Conquistados” e seus descendentes aquela relação de respeito, alegria, fascínio e de intimidade que inebriava a celebração ancestral do Dia dos Mortos[37].
Por isso, em vez do mês de Agosto, passaram essa Comemoração para os finais de Outubro, princípios de Novembro a fim de se adaptarem aos costumes espanhóis e católicos, mas, não eliminaram as oferendas de comida, nem a música, a luz, as cores, nem tão pouco a crença de que os seus parentes e amigos defuntos devessem voltar à terra[38], ideia que, aliás, se harmonizava com a doutrina católica da Ressurreição.
Verdadeiramente, muitas das oferendas que ainda agora são levadas aos túmulos dos antepassados, tais como: “doces; círios aos pares em forma de cruz para mostrar o caminho às almas; velas que simbolizam a luz do sol; crisântemos amarelos; cruzes de terra que simbolizam o pó em que o defunto se tornará; coroas de flores; velas;pães com formatos, formas e figuras diferentes; alimentos que a pessoa falecida gostava em vida, bem como objectos pessoais e brinquedos no caso de se venerar uma criança”[39] simbolizam realidades bem conhecidas, ensinadas e praticada pelos fiéis católicos, como o poderemos presenciar nas nossas igrejas (onde se lembra que o homem é pó e que em pó se há-de tornar) e nos nossos cemitérios, onde costumamos ir em romaria de saudade no dia 1 de Novembro ou “Dia de Todos os Santos” (que, além de englobar todos os nossos Antepassados que consideramos terem morrido na paz de Deus, tem sido, até este ano, um Dia Feriado), embora o dia próprio dos “Fiéis Defuntos se celebre oficialmente no dia 2 de Novembro.
A grande familiaridade que os Mexicanos nutrem para com os seus mortos é maifestada no seu quotidiano, utilizando caveiras nos seus automóveis e em muitos nomes toponímicos, como por exemplo: Calzada del Hueso, Barranca del Muerto, Calle de la Muerte, como muito bem o notou e descreveu Simone Andréa Carvalho da Silva[40] num artigo que escreveu após uma visita ao México e que intitulou "Festa dos Mortos para Celebrar a Vida".
12- Entre os Mukulu Bantu (Angola - África)



Tata Kiretauã (masc.) diz-nos, num artigo que escreveu e publicou no seu blog Cultura e tradição Kongo – ngola-bantu[41], sob o título "Akua Ukulu – Culto aos Antepassados" que, tal culto não só se encontra atestado nas tradições do Povo Bantu, como também é, actualment, praticado entre esse mesmo Povo.



Para melhor o compreendermos procurarei sintetizar a sua explicação, dividindo-a em cinco diferentes secções ou alíneas (a, b, c, d, e).
a)- Existência do culto prestado aos mortos:
A Comemoração e Culto dos Mortos, encontra-se atestada na cultura Bantu, como uma tradição muito arraigada nesse povo. Nessa tradição não só se acredita que os MUKULU (ancestrais genealógicos) devem ser comemorados e reverenciados, mas também que os “seus espíritos continuam a habitar a aldeia como se vivos estivessem e que por serem reverenciados, se sentem felizes, e os seus TSHIPUPU (fantasmas ou aparições) não surgirão para causar transtornos àqueles que ainda permanecem encarnados. A sua Comemoração é chamada: Kimenga.
b)- Local do culto:
Esse culto é prestado, normalmente, "quase que invariavelmente na parte mais posterior das aldeias, isto é, mais ao fundo, onde em suas KUBATA recebem seus JIMBENGE (assentamentos) que são feitos em troncos rituais secos, que são enterrados no chão…".
c)- Objectos oferecidos:
Os objectos mais comuns são pós, substâncias sagrados (Mafu), folhas (Jinsaba), favas (Jinimo), cascas secas de determinadas árvores que servem de culto às divindades, sacrifícios de animais, que são colocados nos seus JIMBENGE (…) os troncos rituais recebem uma roupagem colorida, são adornados com pequenas cabaças (Jimbinda) e na parte superior do tronco é fixada uma peneira de palha (Oropemba) com a parte côncava voltada para baixo, sendo esta Oropemba também enfeitada com pequenas cabaças que podem ser pintadas com tintas vegetais.
d)- Diferenças nos rituais
Os rituais variam conforme a pessoa defunta que é comemorada. Por exemplo: quando se quer comemorar o espírito (Mukisi//Nkisi) de um sacerdote ou de uma sacerdotisa falecidos, a sua “divindade” será alojada num compartimento denominado NZO KALUNGANGOMBE, e como esse falecido ou falecida era cabeça da casa respectiva, isto é, os seus donos, as suas “divindades” passam a receber o título de MUKISI MUKIDIADIME (divindade mais velha), recebendo reverências e tratamentos idênticos aos demais Minkisi.
Quando se trata de pessoas que, em vida, colaboraram para o desenvolvimento da aldeia, tiveram grande elo de amizade, realizaram grandes ou bons feitos, além daquelas que possuíram grau de parentesco consanguíneo ou não, devem ser reverenciadas dentro do culto, sendo obedecido um sistema hierárquico:
Em primeiro lugar, serão o SOBA, o MULOJI (Rei) ou o feiticeiro, pois que zelaram pelo bem-estar dos aldeões;
De seguida, os KUBAMA, NTABI, NGANGA A NGOMBO, MUZAMBU, isto é, os Sacerdotes dos oráculos que prestaram bons serviços em prol da aldeia;
Depois serão os MUKURUNTU, ou seja, os Espíritos dos curandeiros que zelaram pela saúde comunitária, tanto física como espiritual do povo;
Finalmente, vêm os Espíritos das pessoas anciãs e sábias que, de modo geral, contribuíram para o bem-estar da aldeia.
e)- Aparição dos espíritos dessas pessoas:
Durante a prestação do Culto aos Antepassados pode suceder que, às vezes, "apareçam" os seus espíritos de forma materializada (MUKU, plural JIMUKU). Se esses espíritos pertencem a pessoas defuntas do sexo feminino, então usam-se máscaras denominadas de MWANA PWO; mas se os espíritos pertencem a pessoas do sexo masculino as máscaras recebem o nome de MUKANGE. O uso da máscara é para demonstrar que os seus rostos nunca mais poderão ser vistos pelos vivos.
13- Conclusão geral
Pelo exposto sobre o culto aos mortos dos antepassados em diferentes povos e em várias culturas, ainda que de modo muito sucinto, podemos deduzir quatro ideias mestras, a saber que:
1ª- A tradição comemorativa dos Nossos Defuntos se encontra muito arraigada nas várias culturas e nos diferentes povos;
2ª- Se enraíza num profundo sentimento religioso e místico;
3ª- Esse culto prestado é a manifestação materializada, não só de um verdadeiro respeito, mas também de uma recordação da presença que é sentida como actual e contínua entre nós, seus familiares, amigos e conhecidos;
4ª- Esse mesmo sentimento parece ter acompanhado a Humanidade, quer no tempo, quer no espaço.

Notas




[1]Leis de Manu, I, 95; III, 82, 122, 127, 146, 189, 274.
[2][On line] [Consult 16-10-2011] Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/chinesa/religiao-chinesa.htm. e ainda em: http://ebooksbrasil.org/eLibris/cidadeantiga.html#A2 Esse culto tributado aos mortos exprimia-se em grego pelas palavras enaghízo, enaghismós. Pólux, VIII, 91; Heródoto, I, 167, Aristides, 21; Catão, 15; Pausânias, IX, 13, 3. A palavra enaghízo empregava-se para os sacrifícios oferecidos aos mortos; thyo, para os que se ofereciam aos deuses do céu; essa diferença é bem acentuada por Pausânias, II, 10, 1, e pelo escoliastes de Eurípides, Feníc., 281. Cf. Plutarco, Quest. rom., 34.
[3] [On line] [Consult 15-10-2011] Disponível em: http://tradidiquodaccepi.blogspot.com/2009/03/la-ofrenda-los-muertos-y-su-origen.html e ainda em http://cpantiguidade.com/2009/12/17/a-morte-e-a-religiao-na-grecia-antiga/
[4] [On line] [Consult 27-10-2011] Disponível em: http://principiologia.blogs.sapo.pt/1669.html
[5] [On line] [Consult 27-10-2011] Disponível em: http://faustomoraesjr.sites.uol.com.br/grega1.htm
[6] [On line] [Consult 15-10-2011] Disponível em: http//tradidiquodaccepi.blogspot.com/2009/03/la-ofrenda-los-muertos-y-su-origen.html.
[7] Palavra vinda do grego Γαῖα, Gaîa (possivelmente a contracção de γῆ, gê, "terra" e αἶα, aîa, "mãe", "terra-mãe") ou Gé (γῆ, gê, "terra"),
[8] A tragédia ΛΚΗΣΤΙΣ — Alceste — é, a um tempo, o mais antigo drama de Eurípedes que sobreviveu e o único anterior à Guerra do Peloponeso. A distância entre Aceste e As filhas de Pélias, sua primeira tragédia, é de quase 20 anos; trata-se, indubitavelmente, da obra de um poeta experiente e maduro.
A peça foi apresentada em Atenas nas Dionísias Urbanas[1] de -438 e fazia parte de uma tetralogia, na qual ocupava o quarto lugar, habitualmente reservado aos dramas satíricos. As outras peças eram As Cretenses, Álcmeon em Psófis e Télefo[2]. A tetralogia de Eurípedes foi classificada em segundo lugar, e o primeiro lugar coube a Sófocles.(http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0229).
[9] Eurípides, Alcestes, 1015.
[10] Alberto González:: La Ofrenda a los Muertos y su Origen Pagano. [On line] [Consult 26-10-2011] Disponível em: http://tradidiquodaccepi.blogspot.com/2009/03/la-ofrenda-los-muertos-y-su-origen.html.
[11] Ovídio, Fast., II, 518. Virgílio, En., VI 379. — Comparar com o grego hiláskomai (Pausânias, VI, 6, 8). — Tito Lívio, 1, 20.
[12] ) É possível que o sentido primitivo de héros tenha sido o de homem morto. A linguagem das inscrições, que é a do vulgo, e que é ao mesmo tempo a em que o antigo sentido das palavras se conserva por mais tempo, usa às vezes héros com o mesmo significado de defunto, Boeckh, Corp. ínscr., n.°s 1629, 1723, 1781, 1782, 1784, 1786, 1789, 3398; F. Lebas, Monum. de Moréia, p. 205. Vide Teógnis, ed. Welcker, v. 513, e Pausânias, VI, 6, 9. — Os tebanos usavam uma antiga expressão para significar morrer: héroa ghénes-thai (Aristóteles, Fragmentos, ed. Heitz, t. IV, p. 260; Cf. Plutarco, Proverb. quibus Alex. usi sunt. c. 47). — Os gregos também davam à alma do morto o nome de dáimon. — Eurípides, Alceste, 1140 e Escoliastes. Ésquilo, Persas, 620. Pausânias, VI, 6.
[13] Tito Lívio, III, 58. Virgílio, VI, 119; X, 534; III, 303. Orelli, n.°s 4440, 4441, 4447, 4459, etc. Tito Lívio, III, 19.
[14] Apuleus, De deo Socratis. Sérvio, ad Aeneid., III, 63.
[15] Censorinus, De die natali, 3. Cícero, Timeu, 11. — Dionísio de Halicarnasso traduz lar familiaris por Kat’ okían héros (Antiq. rom., IV, 2).
[16] Cícero, Timeu, 11. — Dionísio de Halicarnasso traduz lar familiaris por Kat’ okían héros (Antiq. rom., IV, 2).
[17] Vide em Heródoto, I, 167, a história das almas dos Fócios (Da cidade de Foceia (grego antigo Φώκαια,Phôkaia) era uma cidade grega da Ásia Menor, onde actualmente se encontra a cidade de Foça ou Eskifoça, no golfo de Esmirna na Turquia ) que assustaram a toda uma região, até que lhes celebraram o aniversário da morte, e vários heróis semelhantes em Heródoto e Pausânias, VI, 6, 7. Do mesmo modo, em Ésquilo, Clitemnestra, advertida de que os manes de Agamenon estão irritados contra ela, apressa-se em mandar alimentos a seu túmulo. Vide também a lenda romana narrada por Ovídio, Fastos, II, 549-556: “Esqueceram-se, um dia, do dever das parentalia, e as almas saíram dos túmulos, e viram-nas correr, gritando pelas ruas da cidade e pelos campos do Lácio, até que ofereceram sacrifícios em seus túmulos.” — Cf. a história que nos conta ainda Plínio, o Jovem, VII, 27.
[18][On line] [Consult 13-10-2011] Disponível em: http://www.ribeirodasilva.pro.br/direitoromanoarcaico-parte1-04.html
[19] Plutarco, Sólon, 21.
[20] Aristóteles, citado por Plutarco, Quest. rom., 52; grecq., 5. Ésquilo, Coéf., 475.
[21] Eurípides, Fenic., 1321. Odisseia., X, 526. Ésquilo, Coéforas., 475: Coéforas “Ó bem-aventurados, que habitais debaixo da terra, ouvi minha invocação; vinde em socorro de vossos filhos, e dai-lhes a vitória.” — É em virtude dessa ideia que Virgílio chama ao pai morto de Sancte parens, divinus parens: Virgílio., En., V, 30; V, 47. Plutarco, Quest. rom., 14. Cornélio Nepos, Fragm., XII.
[22] Cícero, De legibus, II, 22.
[23] Santo Agostinho, Cidade de Deus, VIII, 26, IX, 11.
[24]Cícero, De leg., II, 9. — Varrão, em Santo Agostinho, Cidade de Deus, VIII, 26.
[25] Virgilio, En., IV, 34..
[26] Eurípides, Troyanas, 96; Electra, 505-510. Virgílio, En.. VI, 177; III, 63, 305; V. 48. — O gramático Nónio Marcelo diz que os antigos chamavam ao sepulcro de templo; e, com efeito, Virgílio emprega o vocábulo templum para designar o túmulo ou cenotáfio que Dido constrói para seu esposo (Eneida, IV, 457). — Plutarco, Quest. rom.,
[27] [On line] [Consult 15-10-2011] Disponível em: http://iberiaeterna.blogspot.com/2008/05/altares-domsticos.html
[28] [On line] [Consult 16-10-2011] Disponível em: http://www.bbc.co.uk/religion/religions/shinto/beliefs/kami_1.shtml.
[29] [On line] [Consult 16-10-2011] Disponível em http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/view/172/120.
[30] Viveu entre 551-479/8 (a. C.), na mesma época sensivelmente em que na Grécia, Ésquilo e Sócrates propagavam um humanismo ético que viria a ter grande influência nas filosofias morais, políticas e sociais da China e os profetas hebreus e Ageu (522 a486 a.C) e Zacarias (520 e 475), Malaquias e Neemias (cerca de Neemias cerca do ano 450 a.C.). encorajavam os judeus a retornar a Jerusalém, após o exílio Asiro-bebilónico.
[31] Tão-Teh-King, 49:2
[32] Idem, 63:2
[33] Soares, 1964, p. 1183.
[34] Analecta, 14:36.
[35] [On line] [Consult 30-10-2011] Disponível em: http://br2.mofcom.gov.cn/aarticle/aboutchina/publicholiday/200512/20051200995308.html
[36] http://www.comunidadeespirita.com.br/religioes/5%20confucionismo.htm.
[37] [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://www.terra.com.br/revistaplaneta/mat_398.htm
[38]. Ibidem e ainda em (http://www.terra.com.br/revistaplaneta/mat_398.htm)
[39] [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://www.mulherdeclasse.com.br/Historia%20das%20regilioes.htm.
[40] [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://www.terra.com.br/revistaplaneta/mat_398.htm.
[41] [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://tatakiretaua.blogspot.com/2009/02/akua-ukulu-culto-aos-antepassados.html.

14- Bibliografia
Albuquerque, E. B. (1997). O Mestre Zen Dôguen. São Paulo: Arte & Ciência, UNIP,
André, R. G. (2011). Religião e Silêncio. Tese (Doutorado em História). Assis: UNESP.
Anibal de Almeida Fernandes, Março, 2002. O Livro dos Mortos, Hemus, Editora LTDA SP. A Religião Egípcia, E. A Wallis Budge, Cultrix, SP.
Dantas, L. (1984). Chaves para Compreender O Japão de Aluísio Azevedo. In: AZEVEDO, A. O Japão. São Paulo:: Roswitha Kempf Editores,.
Kenney, E.; Gilday, E. (2000). Mortuary Rites in Japan. Japanese Journal of Religious Studies, vol. 27, n. 3 – 4.
Kretschme, R, A. (2000). Mortuary Rites for Inanimate Objects. Japanese Journal of Religious Studies, vol. 27, n.3 – 4.
Kuroda, T. (1981). Shinto in the History of Japanese Religion. Journal of Japanese Studies, n. 7.
Maeyama, T. (1973). O Antepassado, O Imperador E O Imigrante. In: Saito, H.; Maeyama, T. (Orgs.). Assimilação e Integração dos Japoneses no Brasil. Sp: Editora Da Universidade De São Paulo,
Mutsurô, Kai (2007). Shin Kokugo Jiten. Tokyo: Mitsumura Tosho.
Potter, Charles, Francis (1937). The Store of Religión as told in the Lives of its Leaders.
New Cork: Garden City –
SAMDUP, Lama Kazi Dawa (1994).O Livro dos Mortos Tibetanos. São Paulo: Editora: Hemus Editora Ltda, , Tradução: Norberto de Paula Lima e Márcio Pugliesi.
Soares, P. Matos (1964). Bíblia Sagrada (Traduzida da Vulgata e Anotada pelo Padre Matos Soares. São Paulo: Edições Paulinas.
Varley, P. (1986). Japanese Culture. Tokyo: Charles E. Tuttle,
Wallis Budge, A. E. ( ). O Livro Egípcio dos Mortos. SP: Editora Pensamento-Cultrix;
Wallis Budge A.E (….) A Religião Egípcia. SP: Editora Pensamento-Cultrix;
Yokoyama, L. C. (1998). A Conversão ao Catolicismo. Dissertação (Mestrado em História. São Paulo: USP.

Capítulo 4: Culto dos Mortos nas várias culturas e nos diferentes PovosCulto dos Fiéis Defuntos






Conteúdo dos números 1-4




Preâmbulo.
1- Comemoração dos Fiéis Defuntos.
1.1 - No Rito Católico.
1.2 - No rito Bizantino (Comemoração Universal dos Pais).
1.3- Nas Igrejas Protestantes.
2- Comemoração da morte de um Defunto como indivíduo.
2.2- No Catolicismo.
2.3- Fundamento Bíblico.
3- Culto dos Mortos na Antiguidade.
4- Culto dos Mortos no Egipto.




Preâmbulo
Ao falar-se da Comemoração dos Fiéis Defuntos, entende-se uma Comemoração que abrange, de uma só vez, todos os amigos e familiares que já morreram e que, de alguma maneira, se supõe, terem necessidade de serem sufragados para que Deus os conduza, o mais rapidamente possível, à sua Glória.




1- Comemoração dos Fiéis Defuntos




1.1 - No Rito Católico





Na Igreja Católica esse dia celebra-se no dia 2 de Novembro, sendo conhecido também pelo nome de “Dia de Finados”. Recordamos, pois, os nossos Antepassados, tributando-lhes um determinado culto através de rituais que variam de Igreja para Igreja, mas que, substancialmente, incluem: visita aos seus sepulcros, oferta de flores, recitação de orações apropriadas, súplicas, sufrágios (obras boas, que se fazem em favor das suas almas). Oficialmente, nas Igrejas ou capelas celebram-se missas pelas suas almas que se compõem de leituras bíblicas[1] e de orações apropriadas cujos conteúdos se referem à misericórdia que se espera alcançar de Deus a seu favor.




1.2 - No rito Bizantino (Comemoração Universal dos "Pais")




No rito bizantino eslavo[2] os fiéis defuntos recebe o nome de Comemoração Universal dos Pais e celebra-se, de maneira geral e pública, em três ocasiões principais (ou maiores) durante o ano a saber:




No Sábado que precede o Domingo de Carnaval, antes da Grande Quaresma;
No Sábado que precede a festa da Santíssima Trindade ou Pentecostes;
No Sábado dos “Pais”, ou de São Demétrio[3] (antes de 26 de Outubro).




Mas, se na Igreja Russa, além destas três datas maiores de finados, existem ainda várias outras datas menores: o segundo, terceiro e quarto sábado da Grande Quaresma.




Por “Anatólia” (do grego Aνατολή (Anatolē) ou Aνατολία (Anatolía), que significa "brilho do sol" ou "leste". compreende-se toda a região que hoje se denomina “Turquia” e biblicamente se chamava “Ásia Menor” (Μικρά Ασία), sendo μικρά a forma feminina do adjectivo grego μικρός (pequeno).




Os “Balcãs” Os Bálcãs, ou Balcãs, ou ainda Península Balcânica, é o nome histórico e geográfico para designar a região sudeste da Europa que engloba a Albânia, a Bósnia e Herzegovina, a Bulgária, a Grécia, a República da Macedónia, o Montenegro, a Sérvia, o Kosovo, a Croácia, a Roménia e a Eslovénia.




1.3- Nas Igrejas Protestantes




Os Protestantes, pelo contrário, não reconhecem a Comemoração dos Finados como uma celebração, pois alegam não ter fundamento na Bíblia. Negam, inclusivamente, o 2º Livro dos Macabeus que tem servido como argumento para tal comemoração entre Ortodoxos e Católicos.
Este Livro (escrito originalmente em grego) reflecte o clima de perseguição contra a fé judia, orquestrada pelos Selêucidas que sucederam a Alexandre III da Macedónia, morto em 323 a.C.


Após a morte de Alexandre de Macedónia, o seu império ficou sendo administrado por Pérdicas, com o título de Quiliarca, detendo igualmente a autoridade militar. Por seu lado Cratero fica como regente do império, controlando as finanças (pelo menos na Ásia) e Antipater que governava a Macedónia desde a partida de Alexandre, fica encarregado dos negócios da Europa e, por conseguinte, da Macedónia.


O Governos das Satrapias foi distribuído da seguinte maneira:


Ptolomeu, filho de Lagos, ficou a administrar o Egipto que incluía a Cirenaica (Líbia) e a Arábia;
Euménio de Cárdia, ficou com a Anatólia central e nórdica (Capadócia e Paflagónia);
Antígono Monoftalmo ficou com a Anatólia do Sul (Grande Frígia, Lícia, Panfília);
Lisímaco ficou com a Trácia;
Antipater ficou com a Macedónia.


Daí em diante, as coisas, porém, não se processaram como era de desejar. Em 312 a.C. Ptolomeu vence o filho de Antígono, Demétrio Poliorceta, em Gaza, e Selêuco reconquista a sua satrapia babilónica, estendendo-a até os confins orientais da Pérsia. Eliminados os herdeiros naturais, os Diádocos, acabam de vez com a unidade do Império, e procuraram proclamam-se reis. O império, no ano de 306 a.C. ficaria, assim dividido:


Cassandro passou a governar a Macedónia (306-297 a.C.);
Selêuco seria rei da Babilónia e da Síria (306-281 a.C.):
Antígono (306-301 a.C.) e Demétrio Poliorceta (306-286 a.C.): reis da Celessíria;
Lisímaco rei da Trácia (306-281 a.C.).
Ptolomeu proclamou-se rei em 305 a.C., (o único que se proclamou rei), fundando a dinastia dos Lágides, com sede em Alexandria e governou, como tal, até 282 a.C..

Em 301, Cassandro, Selêuco e Lisímaco fizeram uma aliança contra Antígono Monoftalmo e vencemvenceram-no na batalha decisiva que teve lugar, em 301, perto de Ipso (ou Isos), na grande Frigia. Assim terminou a pretensão de formar um império que unisse toda a Europa. Após esta batalha procedeu-se a uma segunda divisão do império de Alexandre, sendo ela a seguinte:

Lisímaco ocupou a Ásia Menor,
Cassandro, a Macedónia,
Selêuco, a Síria,
Ptolomeu, o Egipto e a Celessíria.


Ainda, assim, Selêuco tentou ficar com a Celessíria, mas Ptolomeu não a lha entregou. Não conseguindo que Ptolomeu lhe entregasse a Celessiria, Selêuco fundou Antioquia, em 300 (a.C.), para ser a capital de seu reino.


A extensão do Império dos Selêucidas e dos Ptolomeus, chegou a estender-se desde o Mar Egeu até ao Afeganistão, vindo a congregar, numa só cultura helenista, Gregos, Persas, Medos, Judeus, Indianos e muitos outros.




Para Católicos e Ortodoxos o culto prestado aos defuntos que morreram no Senhor é fundamental e está de tal maneira arraigado nos corações da população que parece mais um sentimento natural do que um acto litúrgico imposto pelas Igrejas. Poderá, inclusive, falar-se de um sentimento pré cristão ou de um sentimento que se encontra generalizado em muitos outros povos com tradições e religiões bastante diferentes das que nos foram transmitidas pelos nossos avós e que nos convida a olhar para os nossos mortos como para entes queridos que continuam ligados a nós e à espera que nos lembremos deles continuamente, e não apenas no dia que lhes foi consagrada oficialmente pela Religião.




Deste mesmo sentimento falava Shigueo Kamata, Professor e Doutor em Literatura da Universidade de Tokyo quando escrevia estas belíssimas palavras:
“… o culto aos antepassados é básico para expressar a nossa gratidão às graças recebidos, assim como é básico para a prática diária do caminho do Bodsattva[4]. Por isso, a oração aos antepassados deve ser praticada diariamente. Eu sinto que o antepassado é o meu espelho. Assim, diante do meu altar familiar, quando estou em oração, sinto que, com os ancestrais, toda a minha alma vibra automaticamente, surgindo sentimentos de gratidão que me fazem dizer: "Muito obrigado por mais esta oportunidade de acumular virtudes de família" e com auto confiança, enfim, transbordando um sentimento profundo de amor ao próximo, de que transcende a diferença de raças entrelaçando naturalmente o caminho para a paz mundial”[5].




2- Comemoração da morte de um Defunto como indivíduo singular




2.1- No rito Bizantino




No rito Bizantino a recordação de um defunto celebra-se no terceiro, nono e quadragésimo dias, após a morte. Este costume baseia-se numa história atribuída a São Macário, segundo a qual um Anjo lhe revelara a razão porque o culto aos mortos se deveria celebrar nessas três datas. A resposta do Anjo foi a seguinte:




Celebra-se ao terceiro dia para recordar o Mistério da Santíssima Trindade e a Ressurreição de Cristo que teve lugar ao terceiro dia;
Repete-se no nono dia para que os falecidos possam unir-se aos nove coros angélicos na bem-aventurança eterna;
Finalmente torna a comemorar-se no quadragésimo dia da morte para lembrar os quarenta dias da vivência de Jesus entre os seus discípulos após a Ressurreição até ao momento da Ascensão à Glória do Pai.




A estes três momentos, acrescentam-se, ainda, outros dois:




No dia do Santo do seu nome;
No aniversário do falecimento que, além de ser comemorada a morte, se aproveita a ocasião para em união com todos os amigos e familiares se comer, num sagrado convívio ou ágape, o kólivo ou kutiá, isto é, o trigo cozido ou arroz-doce com passas e mel, que simbolizam a doçura da vida e a felicidade celestial que está reservada aos que se esmeram em cumprir a lei de Deus.




É esta comemoração/convívio, de carácter social, que São Macário de Alexandria menciona como sendo recebida dos antigos padres e que já era conhecida no século VII.




2.2- No Catolicismo




No Catolicismo observam-se esses costumes, com algumas variantes relativamente às datas. Se o sétimo dia, também aqui, é celebrado, dizendo-se inclusive que se seguiu o costume ortodoxo, já o 40º dia foi substituído pelo 30º dia. Além destes dias costuma comemorar-se também o dia da morte e, nalguns lugares, o dia do onomástico ou do nascimento. Resquícios destes costumes poderão encontrar-se no Sacramentário do papa S. Gelásio[6], que ocupou a Sede de Pedro desde 1 de Março de 492 até ao dia da sua morte, ocorrida a 21 de Novembro de 496.




2.3- Fundamento Bíblico




Este costume de orar e comemorar os defuntos, tanto a nível colectivo, quanto a nível individual, tem um fundamento bíblico muito bem atestado em livros que são admitidos como inspirados, tais como nos livros do:


Eclesiástico (22, 10-13),
Génesis (50, 10),
Números (20, 29),
Deuteronómio (34,8).


No livro do Eclesiástico, capítulo 22, versículos 10-13) lê-se o seguinte texto:
"Chora sobre o morto, porque lhe faltou a luz
Chora sobre o insensato porque lhe falta o siso.
Chora pouco sobre o morto, porque ele entrou no descanso;
Mas a vida criminosa do insensato é pior do que a morte.
O pranto sobre o morto dura sete dias,
Mas sobre o insensato e o ímpio dura toda a sua vida". (Soares, 1964, p. 780).




No livro do Génesis, capítulo 50, versículo 10, ao tratar-se da morte e enterro de Jacob, diz-se que a comemoração do seu enterro durou sete dias: "E chegaram (José, seus irmãos e grande concurso de povo, com o corpo de Jacob) à eira de debulhar o trigo, em Atad, do outro lado do Jordão, onde gastaram sete dias a celebrar as exéquias com um pranto grande e profundo".
Soares, 1964, p. 74).




A comemoração do trigésimo dia baseia-se numa passagem do livro dos Números (capítulo 20, versículo 29) que narra a morte de Aarão, irmão de Moisés e autoridade máxima no plano religioso: "E toda a multidão, vendo que Aarão tinha morrido, chorou por ele com todas as suas famílias durante trinta dias". (Soares, 1964, p.181).Este mesmo número de dias foi obaw«ervado aquando da morte de Moisés, como se lê no livro do Deuteronómio (capítulo 34,8): "E os filhos de Israel o choraram na planície de Moab durante trinta dias, e completaram-se os dias do pranto dos que choravam Moisés" (Soares, 1964, p. 238).




No Culto cristão, o dia dos defuntos é um dia de esperança na ressurreição e de íntima comunhão com aqueles que, segundo S. Cipriano, “não perdemos, porque simplesmente os mandámos à frente”.




3- Culto dos Mortos na Antiguidade




As religiões, ditas “primitivas” comungam todas de alguns elementos que são considerados fundamentais, tais como:




Atribuição de forças anímicas aos seres da natureza;
Crença em génios benignos e malignos (duendes, fadas, feiticeiras, bruxas, espíritos benéficos e maléficos (demónios, etc.);
Prática da magia, de adivinhação e de feiticismo;
Práticas curativas de doenças através de poderes especiais, rezas, feitiçarias, etc. várias espécies; Prática de ritos de iniciação, onde entram provas físicas e sacrifícios;
Utilização de estados de transe e de danças rituais;
Prática de sacrifícios cruentos de animais e/ou de seres humanos;
Prestação de culto a uma divindade (monoteísmo) ou mais que uma divindade (politeísmo).
Prestação de um culto especial aos espíritos dos antepassados.




Ora, estas características encontram-se nalgumas religiões, ainda existentes nos nossos vários Continentes: Europa, África, Ásia, América, Oceânia. E, se é certo que algumas culturas, religiões e populações desapareceram, destruídas ou substituídas por povos, culturas e religiões diferentes, e que se impuseram por se dizerem mais verídicas e mais cultas, ou as únicas verdadeiras e as únicas com uma verdadeira cultura, algumas houve que resistiram ou se deixaram assimilar em condições privilegiadas.




Talvez tenha sido o culto dos mortos o primeiro ou um dos primeiros cultos a preocupar o homem, uma vez que o fenómeno da morte de um ser que lhe era mais próximo (um familiar, um amigo com quem tinha convivido) o tenha confrontado com a possibilidade de uma vida para além da vida que, ali e nesses momento tinha deixado o convívio dos vivos. Nessas circunstâncias e morte teria colocado os vivos frente a um mistério que os deveria inquietar e perseguir com frequência. Daí nascer em si o medo, o respeito e a veneração por todos os familiares que já tinham morrido terem chegado a considerá-los espíritos viventes, embora numa outra dimensão e de outra maneira, porém, aqui na terra, visto que não tinham conhecimento de outro lugar.




Além da morte, outros fenómenos inexplicáveis e de maneira nenhuma controláveis tais como a doença, os tremores de terra, os maremotos, os vulcões, etc, colocaram-lhe a interrogação sobre a existência de seres poderosos e superiores a si que tinham o poder de intervir dessa forma na Natureza. E, se eles existiam, como chegou a admitir, esses seres superiores demandariam subserviência, o que teria originado um culto ou adoração.




O culto prestado aos deuses personificados, tais como Cronos e Zeus (Grécia); Saturno e Júpiter (Roma); Bel e Astarte (Semitas e Mesopotâmia) Eloim ou El (Semitas e Hebreus), a trindade formada por Brama, Vishu, Shiva (Índia); Rá/Sol, Toth/Lua e Anúbis, deus dos mortos (Egipto), etc., representaria uma fase ou estádio muito posterior na formação teológica das diversas religiões.


4- Culto dos Mortos no Egipto




Desde o ano 4.400 a.C. , pelo menos, existiu a crença na Ressurreição, na vida futura, numa vida para além do túmulo, na natureza divina e no julgamento moral dos Mortos, como é demonstrado pela existência do célebre LIVRO DOS MORTOS cujo verdadeiro nome é "SAÍDA PARA A LUZ DO DIA", constituindo o 1º livro da humanidade, até hoje conhecido.




Neste livro descrevem-se os vários caminhos e obstáculos que o Morto deverá vencer e ultrapassar para se transformar num Espírito Santificado: terá que “cruzar os 21 pilares, passar pelas 15 entradas, e cruzar 7 salas até chegar à presença de Osíris e fos 42 juízes que irão julgá-lo”. Assim, o defunto depois de ter vencido todas estas provações e de ter transposto as “Portas da Morte”, entrará no Amenti (morada dos deuses). Antes da partida, o morto é preparado por Anúbis, de modo a que tudo vá em ordem:De seguida é transportado num Barco até Amenti, morada dos deuses.




Um vez aqui chegado, será recebido por Osíris, filho de Geb, a Luz, e de Nut, a noite que, “tendo atrás de si as suas irmãs e esposas, Isis e Néftis, o contempla impávido, imóvel e enigmático. Entretanto, Horo conduz a alma é conduzida à presença de Anúbis que verifica o fiel da balança e nela pesa o coração do defunto,”junto a uma pena, na presença da deusa da Justiça/Verdade, Maât, que não toma parte no julgamento, e mais os 42 deuses (cada um representa um nome do Egipto) e, diante de cada um, o falecido o interpela pelo nome e declara não ter cometido determinado pecado é a "Confissão Negativa" do papiro de NU (os Mandamentos)” que determinam o seguinte:


"Nada surja para se opor a mim no julgamento,
Não haja oposição contra mim na presença dos príncipes soberanos,
Não haja separação entre mim e ti na presença do que guarda a Balança.
Não deixes que os funcionários da corte de Osíris (cujo nome é "O Senhor da Ordem do Universo" e cujos dois Olhos são as 2 deusas irmãs, Ísis e Néftis) estipulem as condições da vida dos homens,
Nem que o meu nome cheire mal.
Seja o Julgamento satisfatório para mim,
Seja a audiência satisfatória para mim,
Tenha eu alegria de coração na pesagem das palavras.
Não se permita que o falso se profira contra mim perante o Grande Deus, Senhor de Amenti".


Após pesagem que é feita também por Anúbis e após a defesa e a leitura destes mandamentos (segundo um texto da época de Mencau-Ra (Miquerino dos gregos) 3.800 anos antes de Cristo, da IV Dinastia), vem o veredicto que é anotado por Toth (deus da sabedoria) e dirigido aos deuses nos seguintes termos:
"Ouvi esse julgamento, ............verificou-se que ele é puro, ............ e ser-lhe-ão concedidas oferendas de comida e a entrada à presença do deus Osíris, juntamente com uma herdade perpétua no Sekht-Ianru, o Campo de Paz (Paraíso), como as que se consideram para os seguidores de Horo".O medo do desconhecido foi a causa que impulsionou o homem, apavorado com os trovões e raios, terramotos e vulcões, para um ser superior a ele, que assim se manifestava sobre as coisas que estavam à sua volta [7].


Notas


[1] Neste dia de Fiéis Defuntos é permitido celebrar três missas, diversificando-se os textos bíblicos e as orações introdutórias ou antífonas desta maneira: 1ª Missa - Job, 19, 1 e 23-27; 2Cor. 4,13-51 ; Mt. 11,25-30 ; 2ª - Missa 2 Mac. 12,43- 45 ; Luc. 7,11-17 ; 3ª Missa - 1 Tes.4, 13-14.17b-18 ; Jo. 6, 37-40).
[2] “'Bizantino é o nome que dão ao Rito que, tendo derivado dos costumes litúrgicos já conhecidos em Antioquia no séc. IV, se foi desenvolvendo em Constantinopla (Bizâncio) sob o dúplice influxo das basílicas imperiais e dos mosteiros, até aparecer, no século IX, substancialmente igual ao rito actual. O Rito Bizantino, do Patriarcado de Constantinopla, difundiu-se em todas as províncias eclesiásticas dependentes na origem de tal patriarcado (Anatólia, Balcãs, Ucrânia, Rússia) e, desde o século XI substituiu os ritos já existentes nos patriarcados ortodoxos de Antioquia, Alexandria e Jerusalém. Em todas estas regiões há grande uniformidade litúrgica, embora com pequenas variantes. A diferença mais sensível é a da língua e, mais ainda, da música. Língua originária do rito é o grego antigo, mas desde cedo começou a ser usada a língua georgiana e, nos países eslavos, no século XI, a língua eslava antiga ou páleo-eslavo. Mais tarde foi introduzido o uso da língua romena, árabe e outras línguas modernas” [On line][http://www.caminhonovo.org/modules/news/article.php?storyid=114).
[3] Nascido na cidade de Salônica (Norte da Grécia) e martirizado por volta do ano 306, sob a perseguição Galerius Maximianus - Imperador do Oriente entre os anos 305/311 d.C.).
[4] Estamos, pois, perante uma teologia Budista e pré cristã na qual o termo “a caminho do bodsattva” foi usado por Buda no Cânone Páli para se referir, tanto à sua vida interior, quanto à sua última vida como um novo homem antes da sua iluminação.
[5] Shigueo Kamata Professor e Doutor em Literatura da Universidade de Tokyo [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://www.rkk.org.br/Ensi13_Cult.html.
[6]Papa italiano, arquidiácono durante o pontificado de São Félix III e seu principal sustentáculo, este papa deu continuidade às disposições e doutrina do seu antecessor. O seu papado ocorreu de 1 de Março de 492 a 21 de Novembro de 496. A sua família tinha origem africana, tendo contudo Gelásio nascido na cidade de Roma.
Foi o primeiro Papa a usar o título de "vigário de Cristo" e a inserir o Kyrie Eleison na celebração litúrgica. Foi ele, também, que convocou o sínodo de 494, no qual se estabeleceram normas para a catequese dos fiéis e ordenação dos presbíteros.
Uma vez que este papa considerou a teologia um pilar fundamental da Igreja, escreveu o Decretum Gelasianum onde explicitou, não apenas a lista dos livros Apócrifos, mas também a dos livros do Novo Testamento considerados canónicos.
Ordenou igualmente o primeiro Censo (Liber Censuum) das propriedades da Igreja e dos seus produtos, para que se soubesse qual a extensão desses bens, de modo a que eles servissem para aliviar a fome aos refugiados que tinham acorrido a Roma devido à invasão de Teodorico, rei dos Visigodos (invasões bárbaras, ou período das migrações, de vários povos que ocorreu entre os anos 300-900 a partir da Europa Central e que se estenderia a todo o continente europeu). Segundo as suas determinações, as rendas das propriedades eclesiásticas deveriam ser divididas em 4 partes iguais: pelo papa (para exercício da caridade), para o clero, para os pobres e para as igrejas. Ficou devendo-se a esta medida que o trigo da Sicília e da Sardenha alimentou o povo romano nesta época conturbada. [On line] [Conslt 26-10-2011] Disponível em: http://www.infopedia.pt/$s.-gelasio-i.
[7] [On line] [Consult 14-10-2011] Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=673