sábado, 28 de setembro de 2013

SENHOR DA ASSOMADA



ÍNDICE

Preâmbulo

No meu livro sobre As Gentes e a Terra de Lameiras, publicado em 2010, fiz uma pequena alusão[1] a este Monumento, destacando os seguintes pontos:
1.  Local onde foi encontrado ("Outeiros") marcado por um poema que ficou exarado numa placa afixada por cima da porta da capela
2.      Nome e local onde este Senhor se encontra actualmente ("Belo");
3.   O nome de “Belo” substitui, na tradição Lameirense, o nome de “Janalvo” que lhe é atribuído nos Registos Prediais do Concelho de Pinhel;
4.      Nenhum outro prédio rústico das redondezas é conhecido por “Belo”; 
5.      Descrição e Medidas do “Senhor da Assomada”;
6.  O nome de “Senhor da Assomada” é aplicado vulgarmente a um Complexo composto por um Crucifixo e uma “Cabeça” que se encontra aos seus pés;
7.   Tradição, segundo a qual o verdadeiro “Senhor da Assomada” não é o Crucifixo, mas, sim, a cabeça que está aos seus pés.
Para melhor situar os leitores reproduzo, novamente as fotografias que considero mais propositadas, como sejam, por exemplo:
1. A placa com o poema referente ao local onde foi encontrada a “Escultura do Senhor da Assomada”

Placa com o poema
Foto: 2003

2. A Capela primitiva fotografada em 2002
Senhor da Assomada
Foto: 2002


3- Capela actual

Capela actual (remodelada em 2009)
Foto 2009

1- Tradição sempre viva do Senhor da Assomada

1.1- Aparecimento da imagem

Reza a história que esta imagem foi encontrada nos “Outeiros”, terrenos arborizados e um tanto elevados, onde, em tempos da minha meninice, existiam frondosos castanheiros, que nós chamávamos “Soito”. 
Podemos imaginar o alvoroço, se dermos crédito ao fortuito encontro, que tal descoberta provocou, não apenas em quem o encontrou (desconhecido), mas em toda a população ao saber da novidade!
Tal descoberta que, na história, não é atribuída a nenhuma pessoa conhecida, foi secundada pela transladação a que foi sujeita (dos "Outeiros" para a “Igreja” da Aldeia). Esta transladação foi atribuída a “Manuel Antunes”  que, para tal, utilizou a sua junta de “bois”, facto este que deixa perceber um peso razoável do achado uma vez que foi  necessário um carro de bois para o seu transporte.
Ao chegar à povoação, continua a “história”, a imagem é colocada na “Igreja” com a assistência regozijante da populaça, sempre ávida de novidades e ... logo desta  descoberta tão deslumbrante!

1.2- Desaparecimento da imagem

Ao cair da noite todos recolhem a suas casas e, será legítimo imaginar muitos dos Lameirenses a rebolar-se na cama e a matutar não somente sobre a incrível descoberta dos outeiros, mas também sobre a nova morada do “Senhor dos Outeiros”!
Logo bem cedinho, talvez ainda mais cedo do que o costume dos camponeses da localidade, os mais ávidos de novidades vão à “Igreja” para contemplar o novo “Santo” no seu altar e eis que, em vez de o verem no local onde o tinham  colocado, vêem um vazio desnorteante!?
-O quê? Onde está o “Santo”, perguntam-se perplexos!
O facto desconcertante corre de rua em rua e de casa em casa e eis que todos começa a procurá-lo num desatino estonteante!
Há alguém, porém, que se lembra de ir procurá-lo nos Outeiros e vai de correr até lá a toda a brida.
- Ei-lo! Ali está ele no mesmo local dos Outeiros, afirma, admirado o primeiro que chega ao local!

Esta fugida da “Igreja” para os Outeiros causa espanto em todos os habitantes da aldeia que procuram o porquê de tal procedimento!

1.3- Nova fuga da Igreja para os Outeiros

Como, segundo o pensar dos habitantes de então, o local apropriado dos santos deveria ser a “Igreja”, pegam nele e levam-no, de novo, para esse local cristão.
Mas o “Senhor dos Outeiros” não está pelos ajustes! Pega de si e fuge, novamente para os Outeiros, pois deverá ser ali que se sentirá bem! Foi ali que sempre esteve e sempre recebera a adoração dos seus devotos!Será ali que deseja continuar!

1.4- “Senhor da Assomada”

Com esta segunda fugida para os Outeiros, os Lameirenses decidem criar uma alternativa à “Igreja”.
Senão quer ficar na “Igreja” façamos-lhe a sua vontade! Não ficará na “Igreja”, mas também não poderá voltar para os “Outeiros”, que é um lugar ermo e inconveniente a uma “Imagem cristã”!
Construamos-lhe uma pequena Capela num local que esteja defronte e sobranceiro quanto possível aos Outeiro! Parece-lhes apropriado uma pequena elevação que se encontra no caminho que une as povoações vizinhas (Lameiras, Barregão e Vendada) de modo a que possa receber as visitas dos devotos que por ali passem! Assim, o “Senhor dos Outeiros” ficará virado e a olhar (a Assomar-se sobranceiramente) para o seu local inicial e virado de lado para a “Igreja” da Aldeia de Lameiras e das “Igrejas” das outras povoações vizinhas. Desta maneira, o “Senhor dos Outeiros” passa a chamar-se “Senhor da Assomada”!

 Daí em diante, nunca mais  dali se moveu, sinal de que ficou contente com a dita resolução dos Lameirenses.

2- A Lenda à luz da História

O que a “história do Senhora da Assomada” conta extravasa os moldes da história da religião da Aldeia de Lameiras por várias razões, como passo a descrever.

 2.1-  Antiguidade da Imagem

A “história” narra factos que aconteceram em tempos imemoriais e dos quais ninguém se lembra com exactidão, nem quanto ao tempo em que aconteceram, nem quanto ao conteúdo desses mesmos factos. “Conta-se que…”, “diz-se que…”, mas o que aconteceu, na realidade, já ninguém sabe porque o que aconteceu foi há muito tempo e já dificilmente se pode imaginar como tal aconteceu …!
O que a tradição diz é que esse complexo tido por monolítico e composto por um crucifixo cravado numa cabeça misteriosa teve o seu habitáculo primitivo nos "Outeiros" de Lameiras e que passou por várias vicissitudes antes de lhe ser afixado o novo habitáculo na Capela do “Belo”.

2.2- Existência da “Igreja”

 É tão antiga essa Lenda que confunde a idade da construção da Igreja de Lameiras com a fundação da Igreja Cristã da mesma aldeia. Segundo os dados que possuímos a sua Igreja de pedra e cal data apenas do ano 1887, como se vê nesta fotografia, mas esta data pode muito bem indicar uma restauração e não a construção inicial. Contudo ela não terá sido construída no tempo em que a lenda a coloca.

Data da Igreja de Lameiras
 
Foto de Dezembro 2004

Anteriormente à Igreja actual, talvez tenha existido uma capela da qual restam indícios no lintel da porta da sacristia onde se lê a seguinte inscrição: PEDRO CAPO/14.9.1861 LEAL-VIGARIO
 Data da Sacristia
Foto de Dezembro de 2001

Também podemos imaginar que, assim como o Cruzeiro do Forno tem a data de 687 ? a existência do cristianismo em Lameiras seja anterior e será lógico pensar tere existido também já um local do culto cristão: uma igreja ou uma capela, mas a data de tis eventos é-nos completamente desconhecido, pelo menos a mim, na situação actual da minha investigaçâo.
Portanto a “Igreja” de que fala a lenda deve ser referida a uma outra realidade, tal como a Igreja Cristã em contraposição com outra Religião paralela e/ou anterior, o que poderia entender-se numa época em que a “Igreja Cristã” foi introduzida na Aldeia de Lameiras e que procurou impor-se às Religiões anteriores, apelidadas de “pagãs”.

2.3- A repetida fuga da “Igreja”

A descoberta da Imagem nos Outeiros e a sua transladação para a “Igreja” deverá entender-se em termos de confronto de Religiões nos inícios da introdução do Cristianismo na Lusitânia e, mais concretamente, em Lameiras.
As imagens das religiões pré-cristãs, sobretudo as que existiam nas localidades rurais e que, na generalidade se encontravam em lugares arborizados e um tanto elevados, sofreram um rude golpe por parte das autoridades religiosas cristãs que procuravam erradicá-las e jamais aceites dentro das igrejas paroquiais.
A fuga da igreja que se repete por duas vezes, assim como a utilização do carro de bois para o transporte do local de origem (Outeiros) para a igreja, segundo a lenda, deve fazer parte da imagética beirã da qual fala Moisés Espírito Santo[2] ao falar das “fugas da Senhora”, segundo o qual,
“Nas Beiras, a fuga da imagem é um elemento essencial do mito da aparição e processa-se infalivelmente da Igreja matriz para a árvore ou para a rocha onde havia aparecido”.
Entre as medidas utilizadas vigoraram especialmente duas: a de cristianizar os cultos que eram prestados a essas divindade; a de sobrepor imagens cristãs às imagens pagãs pré-existentes; a de construir para estas últimas capelas, ou nichos que poderiam ter ocupado o mesmo sítio de origem ou outro que mais conviesse às populações, mas sempre ligados ao sítios originais.
Esta luta cristã contra as religiões anteriores a si, faz lembrar a luta que os Israelitas ou Javistas enfrentaram contra as divindades cananeias, sobretudo contra Bel, Ba’al, Astarte, etc, como podemos ver nos livros dos Reis do Antigo Testamento.
Folheando o Atlante Bíblico de Lemaire e Baldi, estes autores apresentam várias passagens que falam não só dessas divindades, como também da luta que o Javismo travou para destronar do território de Israel o culto dessas divindades primitivas e instalar, em seu lugar, o Culto de Javé. Por exemplo:
·        Na página 88 referem que o Faraó Ramsés II construiu um Forte com duas estrelas, numa das quais ele se encontra a prestar adoração a Anat e Ba’al;
·    Na página 115 referem o facto de Iavé ter escolhido Gedeão como chefe do seu povo para que destruísse o altar de Ba’al em Ofrah e o substituísse pelo altar javista, passando, por isso, a chamar-se Yerubba’al que significa “Ba’al que se defenda”;
·        Na página 134 falam da resistência imposta pelos religiosos israelitas contra a rainha Izébel (Jezabel) favorável à religião de Ba’al e da luta que eles travaram contra os profetas de Ba’al no Monte Carmelo (cf. 1Re 17-19);
·      Na página 137 continuam a referir-se à guerra contra os sacerdotes e profetas de B’al, e também à destruição pelo fogo do templo de Samaria, o que levou os Rekabitas a congratular-se com o rei Jehú, pois que estes eram os grandes defensores do Javismo (cf. 2 Re 11,1-3).
·     Na página 127 referem-se à aliança que Salomão fez com o Rei Hiram de Tiro e ao casamento de Salomão com uma das filhas desse rei de Tiro (cf. 1 Re. 11,1, Sal. 45). Desta situação passaram a referir à introdução dos deuses estrangeiros para o templo de Iavé, em Jerusalém e do amor de Salomão por muitas outras mulheres estrangeiras, aumentando o perigo do politeísmo em Israel.
·     De facto, segundo o cap. 11 do 1 livro dos Reis, Salomão além do filha do faraó amou muitas outras mulheres estrangeiras: moabitas, amonitas, edomitas, sidónias e hititas (v. 1) …teve setecentas mulheres (v3), elas seduziram Salomão para seguir outros deuses (v. 3 e 4), vindo a prestar culto a Astarte, deusa dos sidónios e a Melcom, o abominável ídolo dos amonitas (v. 5);
·     Na página 109 referem a outra versão de Ba’al que é a de  Ba’alzebub:  cujo templo principal, dedicado a Dagon (Ba’al) pertencente aos Filisteus se encontrava em Èqrôn que era a cidade mais setentrional da Filisteia … adoravam também Astarte.

De facto, os israelitas adoravam os mesmos deuses que os cananeus com os quais conviviam. Antes da unificação das Doze Tribos os filhos de Jacob e seus descendentes seguiam os cultos das outras culturas. Só com a reforma de Josias, no século VII a.C., é que foi imposta a adoração exclusivamente a Javé[3].

Senhor da Assomada
JCM (2001)
 Ora, a estátua do “Senhor dos Outeiros” teria sido um exemplar do culto prestado a BEL ou BELUS e o seu local de adoração poderia muito bem situar-se num outeiro (morro), possivelmente nos terrenos que hoje são conhecidos sob o nome de “Outeiros”, local caracterizado por árvores frondosas (como castanheiros e carvalhos).
A sua estátua não seria mais do que um pequeno barroco em cujo topo foi esculpida a cabeça que, hoje, se encontra aos pés do Crucifixo, conhecido e venerado como sendo o Senhor da Assomada, do “Belo”.
Efectivamente a tradição popular sustenta que o “Senhor da Assomada” é monolítico[4], o que dificilmente se coaduna com o complexo no qual entra o Crucifixo. Além disso, através de um exame sumário verifica-se que o Crucifixo foi adicionado cuidadosamente (e com certa arte!) à cabeça que lhe fica por baixo. Esta cabeça, que deverá fazer parte de um monólito bastante pesado, encontra-se ocultado pelo altar de madeira, artificiosamente construído, de maneira a ocultar o suposto dito barroco, não deixando ver como a cabeça e a cruz se encontram assentes.  Eu, porém, suponho que essa cabeça está esculpida, de facto no suposto barroquito e que sobree ela foi adicionado o crucifixo.
Cabeça aos pés do Crucifixo
JCM: (2004)
A única forma de provar esta minha conjectura seria retirar o altar para ver o que está em seu lugar ou encontrar uma máquina fotográfica que seja capaz de fotografgar através da madeira, uma espécie de Raio X. Só que esta manobra implicaria solicitar autorização eclesiástica, o que não seria fácil de alcançar, devido às consequências que adviriam da verificação. Pessoalmente, não vejo que os cristãos de hoje viessem a perder a fé cristã se viesse a ser provada a minha suposição. Até lá continua o mistério!

2.4- A construção de uma capela

O local onde foi construída a Capela que ficou a servir-lhe de morada permanente, encontra-se no lado esquerdo do antigo caminho (hoje estrada alcatroada) que se dirigia de Lameiras ao Barregão, Vendada, Arca e Freixedas.
Foi construída, precisamente, numa pequena elevação que divide duas propriedades rústicas, dedicadas ao cultivo de videiras, trigo, cevada ou centeio, sendo ambas conhecidas pelo nome de “Belo”. É curioso que este nome, como já referi, é dado tradicionalmente somente a estes dois prédios, pois que, segundo os dados dos Registos Prediais, eles estão registados como sendo localizados no “Janalvo”.
Porquê é que a tradição apelidou sempre esse local de “Belo”, nele fixando o “Senhor da Assomada” que, segundo a mesma tradição, era oriundo dos “Outeiros”? Eis uma questão que sempre me intrigou e me levou a investigar a sua razão.

2.5- Nome de “Belo” atribuído ao local onde foi construída a Capela.

O que me parece, e não o afirmo senão como conjectura, é que o nome “Belo” teve origem no facto do tal “Senhor dos Outeiros” se ter chamado primitivamente Belum (Belus ou BEL), nome que primitivamente era atribuído às divindades semitas e mesopotâmicas que posteriormente foi divulgado no Ocidente através império romano.
Bel provém da língua acádica, na qual se usava o nome bēlu), com o significado de “senhor”, “dono”, ou seja, mais no sentindo de um título do que de um nome pessoal. Daí que nas línguas semitas do Noroeste, o seu equivalente seja Ba’al (no masculino), enquanto a sua forma feminina era Belit ou Bēltu, significando “senhora”, “dona”[5]. Uma vez que este nome passou a significar o “Senhor Supremo” ou deus de Babilónia, sendo considerado o “governador do Ar”, levou Heródoto a compará-lo ao deus grego Zeus, sendo levado , no entanto,  a considerá-lo diferente do deus ba’ al assírio[6].
De facto, os nomes BEL, BELUM (ou Belus) e BA’AL são três formas que têm a mesma significação, ou seja, a divindade. Inclusivamente, todos os três nomes podiam coexistir num mesmo território, significando cada um o que nós hoje apelidamos de “deus” e tendo cada um os seus próprios adoradores. Convém, no entanto, distinguir entre esses três nomes. Enquanto BEL era inicialmente um nome mesopotâmico[7], sobretudo babilónico e BELUM ou BELUS um nome assírio, BA’AL era o termo cananeu e cartaginês[8] que, depois se difundiu nas colónias do Ocidente. Mas antes de ser aplicado à divindade, estes nomes significavam pura e simplesmente “senhor”, “proprietário”, “legislador”.
Por outro lado é sabido, como o afirma Moisés Espírito Santo[9] que “as divindades orientais são deuses epónimos, isto é, dão o nome ao seu povo ... o povo é conhecido pelos deuses que venera…”. Por isso, não é de admirar que o local onde o “Senhor dos Outeiros” foi encapelado tivesse passado a chamar-se “Belo”, nome que perdurou até hoje.
Os locais apropriados para a adoração desta divindade, tanto entre os cananeus como entre Israelitas eram os morros ou “lugares altos”, chamados bamôt, as árvores, as fontes, devendo ser espaços bem delimitados e nunca podiam ser violados pelos não crentes, tidos como “impuros”[10]. Na Bíblia, porém, estes cultos eram tidos como negativos e contrários ao culto do deus de Israel (Iavé), como se vê no profeta Oséas (cap. 4,13) e em Ezequiel (cap. 6,2s).
Consta, através da Bíblia, que os Patriarcas adoravam os deuses, tanto nos santuários do Norte, tais como em Siquém, Betel, Penuel, como nos do Sul, tais como no Hebron-Mambré, Bercheba, Lahai-Roí, Guion, Arad, etc.
Seguindo os seus exemplos, os próprios Israelitas, depois da fuga do Egipto e ao chegarem a Canãa, continuaram a prestar culto nos santuários cananeus, situados em Guilgal, Silo, Laís-Dan, Carmelo, Mispá de Benjamim, Guibeon, Ofra, Nob[11]. Ora nenhum desses santuários eram dedicados a Iavé mas, sim, aos deuses cananeus, sob os nomes acima referidos.
É, pois sob esta diversidade de significação que o nome BELUS é referido na Bíblia hebraica, pelo menos 142 vezes, embora muitas vezes o seja negativamente, uma vez que existia a luta contra esses deuses cananeus face à introdução e consagração do Javismo. Eis alguns exemplos:
A- Sob o nome “BEL[12]
Aparece em: Daniel 14,1-22:

1. Daniel era conviva do rei e o mais honrado de todos os seus íntimos.
2. Ora, os babilónios tinham um ídolo chamado Bel, cuja despesa diária era de doze artabes de farinha, quarenta carneiros e seis medidas de vinho.
3. O rei prestava culto ao ídolo e diariamente ia adorá-lo. Daniel, porém, adorava seu Deus. O rei disse-lhe (um dia): Por que não adoras Bel?
4. Porque, respondeu Daniel, não venero ídolo feito pela mão do homem, mas sim o Deus vivo que criou o céu e a terra e que exerce seu poder sobre todo homem.
5. Assim sendo, continuou o rei, Bel não te parece ser um deus vivo! Não vês o que ele come e o que ele bebe todos os dias?
6. Daniel pôs-se a rir: Desengana-te, ó rei, disse ele, este deus é de barro por dentro e de bronze por fora, e ele nunca comeu coisa alguma.
7. Irritado, o rei mandou vir seus sacerdotes e lhes disse: Se não me disserdes quem come essas oferendas, morrereis.

E ainda em: 1Re 1,16; 2 ,12; 2Re 16,7; 3Re 21,10.

B- Sob o nome “BELIAL”

Aparece em: 2Cor.·     6,15-17 (NT):
15. Que compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial? Ou que acordo entre o fiel e o infiel?
16. Como conciliar o templo de Deus e os ídolos? Porque somos o templo de Deus vivo, como o próprio Deus disse: Eu habitarei e andarei entre eles, e serei o seu Deus e eles serão o meu povo (Lv 26,11s).
17. Portanto, saí do meio deles e separai-vos, diz o Senhor. Não toqueis no que é impuro, e vos.

E ainda em:
1 Re 1,16; 2,12; 2Re             16,7; 3Re; 21,10.
 
C- Sob o nome plural de “BA’ALIM”

Aparece em: Juízes                 10,6.10;

6. Os filhos de Israel fizeram de novo o mal aos olhos do Senhor, servindo os ba'al e os astarot, os deuses da Síria, de Sidon, de Moab, os deuses dos amonitas e dos filisteus; e abandonaram o culto do Senhor.
10. Os israelitas clamaram ao Senhor, dizendo: Pecámos contra vós, abandonando o nosso Deus e servindo aos Baal.

E ainda em: Oseias, 2,17; Jeremias, 11,17; 9,5; 1Re, 7,3
BELUS era, de facto, conhecido e adorado como sendo o “deus Sol”, nome que significava simplesmente “Sol”, representando a luz brilhante do sol que nasce todos os dias para iluminar a terra, sendo ele a força que aquece e que dá vida aos seres vivos[13]. A sua representação mais comum era um rosto circular cujos cabelos lhe davam a configuração dos raios solares.

2.6- Bel, Celta ou Semita?

O nome Bel encontra-se também na cultura religiosa dos Celtas[14] e dos Gauleses. Mas não se sabe se ele ali chegou através dos Romanos, ou se já existia antes da invasão romana. Paty Witch Maeve sustenta a seguinte opinião[15]:
Assim como Danu, Bel é uma das deidades mais antigas, com muitas contrapartes em outras culturas. A partir do momento em que as tradições se desenvolveram independentemente, determinar a verdadeira história de Bel torna-se algo difícil. Em um resumo simples, Bel é o deus do Outro Mundo, talvez o marido de Danu, e portanto o pai titular das Tuatha Dé Dannan. Em algumas tradições, ele é chamado "o Pai dos Deuses e dos Homens". Bel, escrito também Bile, pode ser um deus-sol, e é ligado à cura, quentura, e luz. Ele também é um deus da morte, e acompanha as almas para o Outro Mundo, onde ele rege. Ele é o deus de Beltane (Bealtainne), ou "Os Fogos de Bel".
Mais à frente refere o testemunho de Júlio César
“(…) sabemos que César referiu-se ao equivalente Romano-Celta Gaulês do deus da cura, Apollo, como Belenus. Havia um templo de Belenus em Bordeaux, França. Sua face aparecia em muitas moedas Gaulesas. Seu portal em Londres (Portal de Belenos ou Portal de Bile) é conhecido hoje como Billingsgate. No norte da Grã-Bretanha, a arqueologista Miranda Green relata que as inscrições de Belatucadrus[16] foram encontradas, e o nome significa "Fair Shining One" ou "Belo Brilhante", o qual é consistente com a lenda de que Bel é o deus da luz e cura, talvez até do próprio sol”[17].
Francine Nicholson[18], por sua vez, fala não apenas do significado de Belenos, mas também das várias inscrições e dos efeitos das suas curas, realizadas nos próprios santuários, dizendo:
Belenos meant "bright, brilliant" or "shining," a fitting name for a solar god. This solar being was known throughout the Celtic areas of western Europe under several different names: Belenos, Belenus, Bel. At least 31 inscriptions citing Belenos or Apollo Belenos (as he was sometimes known in Roman-dominated areas) have been found by archaeologists, more citations than almost any other Celtic deity. Classical commentators testify to his name, nature, and function and the imagery of sculpture and votive offerings associated with Belenos.
In Roman-dominated areas on the Continent and the island of Britain, he was associated with Apollo. One count of inscriptions inventoried by archaeologists noted that there were more dedications to Belenos than almost any Celtic other deity on the Continent. In some areas, he was a healing deity; in others, he was the protector of the town. In Ireland, only his name survives in the name of the summer feast, but we can assume that he was considered a protector of health and happiness and promoter of fertility.
O mesmo autor refere testemunhos de Tertuliano, de Herodianus e de Ausonius sobre a existência de locais onde se prestava culto a Belenos:
Tertullian said that Belenus was the patron of the province of Noricum in the Alps (part of modern Austria). (Maier, 34).
Herodianos wrote that Belenus was the patron protector of Aquileia in northern Italy. (Green, Dictionary, 30-31) In his account, Herodianos said that in 238BCE, when the emperor Maximinus besieged Aquileia, oracles circulated asserting that Belenus would protect the town. Several histories of the battle contain the testimony of soldiers of Maximinus saying that they saw an image of the god over the city, intervening during the battle. (Maier, 34)
Although Aquileia has been the site of most of the Italian inscriptions to Belenus, others have been found at Iulium Carnicum, Concordia, Altinum, Rome, and Rimini. (Green, Dicty, 31; MacKillop, 34; Maier, 34)
Ausonius, a poet writing in the late fourth century CE referred to sanctuaries of Belenus at Bordeaux.
Nas zonas dominadas pelos Romanos no Continente e Ilhas Britânicas Belenus era associado a Apolo. Em algumas partes ele era considerado como um deus médico; noutras era o protector da cidade. Tertuliano disse que Belenus era o Patrono da província de Norico nos Alpes (hoje Áustria). Herodianus[19] escreveu que Belenus era o Patrono de Aquilea no norte de Itália. Muitas outras histórias de guerras contêm testemunhos de soldados de Máximo dizendo que eles viram uma imagem do deus sobre a cidade intervindo durante a batalha. O santuário tido por curativo romano-celta em Santa Sabina no Burungdi era dedicado a Apolo Belenus. Em lugares, como Aquileia, eram enfatizados os aspectos protectores dessa divindade enquanto noutros lugares os seus aspectos curativos eram tidos como fogo[20].
Segundo o articulista da wikipedia[21] na mitologia celta Belenus encontra-se como sinónimo de Bel, ou Belenus e é tido como uma divindade adorada tanto na Gália cisalpina, como nas áreas celtas da Áustria, Britânia e Espanha. Era adorado como sendo o deus sol e tinha santuários desde Aquileia (no Adriático) até Kirby Lonsdale (na Inglaterra).
Vemos, portanto, que esta divindade se espalhou por todo o lado e foi sendo esculpido de formas diferentes. Enquanto entre os mesopotâmicos e semitas Ba’al tinha forma de um cavaleiro com um capuz na cabeça, entre os Celtas  era apresentado  sob a forma  de um disco solar.
Bel (Ba’al)[22]
Imagem de Bel (Ba’al)[23]
O rosto que se encontra aos pés do Crucifixo da Capela do Senhor da Assomada, ainda que apresente uma arte inferior, manifesta semelhanças notáveis com as representações que acabamos de apresentar, semelhanças estas que me tentam a ver no rosto do “Senhor da Assomada” ou “dos Outeiros” uma réplica das representações anteriores.
Cabeça aos pés do crucifixo
 


Pormenor da Cabeça aos pés da cruz
 
Assim, embora este rosto possa representar a divindade BEL cuja origem é tida por semita, ela parece representar e seguir mais directamente uma tradição celta, tendo, à mistura, tradições orientais.

Ba’al[24]

EL hebraico e BA'AL semita[25]
Estela memorial de um deus hebreu EL (esquerda)

e  o deus cornudo semita Ba’al (direita) encontrada em Ras Shamra

 2.7- Nome de “Senhor da Assomada”

Passar de Bel/Belum ou Ba’al para “Senhor” poderá ter acontecido devido à corruptela de Shamash, ou Ba’al sheiman nome sumero-babilónico de Bel, significando o “deus Sol” ou Senhor do Céu, enquanto era ele que dava vida às plantas e brilhava sobre a terra para iluminar todos os seres vivos. De “Shamash” teria passado a “Senhor” pela assonância causada em pessoas que desconheciam a língua sumera, mas a tinham ouvido por vezes, e devido ainda ao facto de essa divindade ser considerada “senhor”, “dono”“amo”.
Mas passar de “Bel/Belum” para “Assomada” teria levado um tempo mais longo e mais criativo. Esse senhor que antes teria sido adorado nos Outeiros sob a representação de um busto ou cabeça esculpida num monólito e que deveria ter desaparecido com a entrada do Cristianismo em Lameiras, continuou a ser adorado, senão por todos, pelo menos por alguns dos seus habitantes mais resistentes à mudança imposta pela nova religião.
O próprio nome “Outeiros”, no plural coloca o lugar de adoração prestada ao deus BE semita e oriental em outeiros, embora a lenda do “Senhor da Assomada” considere “Outeiros” o nome de um local geográfico determinado, localizado a Sul de Lameiras. Nas lendas os locais confundem-se, passando de nomes indeterminados a nomes determinados ou vice-versa.
 Entre os próprios latinos, o substantivo “Outeiro” é um substantivo que provém de  altārium, propriamente “altar”[26] – que por ser erigido em pequenas elevações passou a  dar-se o nome de “outeiro” ao lugar onde se erigia um altar à divindade. Assim, tanto o local onde agora se encontra a capela, como o local onde a tradição coloca a sua origem ou descoberta podem chamar-se “outeiros”.
A tradição dos “Lugares Altos” como lugares próprios à adoração das divindades encontra-se bem presente entre a cultura semita, principalmente entre os hebreus para os quais um “lugar alto”, “elevação” ou “outeiro” é um בָּמָה (bamah - sendo o seu plural במות (Bamôt - “lugares altos ou “outeiros”)[27]. É a estes nomes que a Bíblia hebraica se refere quando pugna contra os cultos cananeus, luta essa que levou Ezequias, rei de Judá, a empreender uma profunda reforma religiosa[28].
Lembro-me ainda de uma conversa que mantive com o falecido Horácio Beirão que foi Presidente de Junta de Lameiras durante muitos anos na qual ele afirmou que muito possivelmente o local onde foi encontrada a imagem do Senhor da Assomada foi precisamente o local onde hoje se encontra … Foi encontrado enterrado quando se abriu o caminho para a Vendada… Dessa descoberta alguém fez os versos e se engendrou a lenda. Mas a sua afirmação foi-me dada como uma possibilidade e não como uma certeza.
As autoridades religiosas cristãs usaram estratagemas para persuadir a população a abandonar as divindades, ditas pagãs, “cristianizando-as”, umas vezes dando-lhes nomes cristãos, outras vezes substituindo essas imagens por outras de cariz cristão. Só que, por vezes, isso não resultava, vendo-se obrigadas a sobrepor imagens cristãs às imagens anteriores, de modo a induzir os fiéis a prestar adoração às últimas. Porém, o que aconteceu, por vezes, foi  fazer-se a mistura dos diversos cultos ou privilegiar os cultos antigos em detrimento do novo culto. No culto prestado ao Senhor da Assomada aconteceu precisamente a mistura do culto antigo prestado a Belus  com o culto cristão pretado ao Crucifixo, chegando-se desconhnecer a quem verdadeiramente se prestava culto. Enquanto uns o prestam a Cristo, outros prestam-no à Cabeça que se encontra a seus pés! Daqui ter-se passado também a considerar a tal cabeça como a representação das almas do purgatório....
 Referências

[1] Matias, 2010, nas páginas 87-91
[2] Moisés Espírito Santo, 1988, p. 26. Sobre este tema da “fuga das imagens” cf também Gandra, 207, Vol. I, p. 423 onde se refere à “Senhora da Atalaia”.
[3] Igor Roosevelt, em http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1425526
[4] A tradição considera-o um monumento monolítico do século XIII ou XVI, como eu próprio o ouvi da boca do já falecido, Sr. Horácio Farinha Beirão.
[5] The Assyrian Dictionary of the Oriental Institute of the University of Chicago (CAD) s. v. pag. 191.
[7] Chetwynd, 2004, pp. 194-195 e 211
[8] Baal Hadad, o deus fenício, o deus das tempestades era o filho de Dagon (Idem, p. 73, 165, 216). Baal Hammon, deus da fertilidade na Fenícia (Idem, p. 32).
[9] Moisés Espírito Santo, 1988, p. 263
[14] O termo “Celta” refere-se a grupos humanos que viveram na Grã-Bretanha e na Europa Ocidental no período que abrange os anos 2000 aC até aos anos 400 d.C, pertencendo, portanto, à Idade do Ferro. O seu sistema social e político caracterizava por cada grupo ou aldeamento ser liderado por chefes guerreiros. Sob o ponto de vista religioso, seguiam o politeísmo e o culto aos vários deuses era praticado em altares erigidos nas árvores frondosas e nos bosques (cf. Bosque de Nemeton). Depois da investida dos Romanos, começaram a erigir templos à maneira dos invasores, passando este costume, mais tarde, para as tribos germânicas. Sobre esse costume cf. http://valedomago.blogspot.pt/2012/08/os-bosques-sagrados.html e sobre a origem da palavra Nemeton (= bosque sagrado cf. http://www.templodeavalon.com/modules/smartsection/item.php?itemid=134.
[16] Consta que Blatucadrus que se encontra em 28 inscrições nas vizinhanças da muralha de Adriano, na Inglaterra, foi cultuado por soldados romanos de baixa patente e por muito bretões. Igualavam-no a Marte e os altares dedicados a Belatu-Cadros eram “pequenos, simples e planos” (cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Belatu-Cadros)
[19] Do grego Ἡρωδιανός [Hērodianós], Herodianvs em latim, ; ca. 178252),1 foi um funcionário menor público do Império Romano que viveu entre os anos 178 e 252  e que escreveu uma História
Romana em oito livros que  narram o período dos anos 180-238.
[24] http://www.google.pt/imgres?imgurl=&imgrefurl=http%3A%2F%2Fwww.historywiz.com%2Fgalleries%2Fbaal.html&h=0&w=0&sz=1&tbnid=TJNzxgQPEZcrzM&tbnh=311&tbnw=162&zoom=1&docid=27A0HxsqFiLjpM&hl=pt-PT&ei=Q4NAUqiuBOOq0QWs5oHgCA&ved=0CAEQsCU
[25]http://www.historyinsidepictures.com/Pages/AncientHebrewGodsorElohimoftheOldTestamentintheBible.aspx
[26] Machado, 1971, Vol. IV, p. 271. Confere ainda os seguintes sites: http://www.dicio.com.br/outeiro/ http://www.dicionarioinformal.com.br/outeiros/ .
Confere as várias passagens em hebraico onde se encontram essas palavras em: http://biblesuite.com/hebrew/1116.htm
[28] Conhecemos pelo menos 102 ocorrências sobre esta luta na qual entraram profetas e reis (cf. http://biblesuite.com/hebrew/1116.htm
 

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