quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Capítulo 17 Religião na Mesopotâmia em geral



Na Mesopotâmia vigorava o politeísmo, isto é, acreditava-se e prestava-se culto a mais do que a uma divindade. Na verdade, tinha-se, nesse tempo, a ideia de que a variedade de forças e faculdades, consideradas superiores e extra-terrestres, não poderiam circunscrever-se a uma única divindade. Daí a necessidade de se engendrarem tantas quantas fossem conhecidas essas forças e essas faculdades. Por exemplo: o céu teria uma divindade como seu soberano; a Terra, por seu lado, teria uma outra diferente; o Mar teria também o seu deus apropriado e, assim, sucessivamente.

Por outro lado, as cidades e os reinos teriam também os seus deuses tutelares respectivos, formando, inclusive, os seus próprios panteões que viriam a ser adoptados ou propostos às cidades e reinos que, de tempos a tempos, viriam a ser conquistados e subjugados. Assim, por exemplo, no tempo do Hammurabi (ca. 1792 - 1750 BC), rei de Babilónia, a divindade protectora – MARDUK – tornar-se-ia o deus central de todas as cidades vencidas.

II - Principais deuses da Religião Mesopotâmica

II.1- ENLIL

Enlil, o deus protector da cidade de Nippur, era a divindade (dinigir) suméria do ar, das tempestades e a manifestação ou teofania das forças naturais ligadas à atmosfera, como seja: os raios, os trovões, os tremores de terra, etc. Tinha como função relacionar e distanciar o Céu e a Terra[1].
Uma representação de Enlil [2]
Representação de Enlil e sua esposa Ninlil [3]

II.2- ENKI

Enki, por sua vez, era o deus do (Abzu ou Apsu), ou seja, das águas doces, como são os rios, os canais e a chuva. É o opositor, por excelência, de Enlil, e esta luta que começou no início da criação, prolongar-se-á por toda a eternidade. Esta batalha fratricida, está na base do Dualismo Persa, segundo o qual existe uma peleja encarniçada entre as duas divindades, chamadas Ormuz e Arimã e que personificam a Luz e as Trevas[4].
Enki e Enlil

 

Esta figura de Enki possui dois dos seus símbolos: a ave, e as correntes das águas, uma vez que entre os sumérios Enki era o deus do Absu. Enki era também simbolizado por meio de uma dupla serpente, representando a dupla semelhante, (referindo-se à criação de Adão e Eva:

Os dois semelhantes[5]

Zigurate de Enlil em Nippur[6]

II.3- SHAMASH (ou DEUS SOL)

Shamash  (ou também Sama, Samash, Babbar, Ahamash ou Utu), o deus Sol, era, por excelência, o "deus da justiça", sendo tido, também, pelo deus da fertilidade. A ele se atribuía a instituição das leis e, por isso, era considerado o Juiz supremo.
 Devido a estes atributos, o Rei Hammurabi atribuiu-lhe a inspiração das leis que formaram o seu código, sendo, por isso, colocada neste código a imagem da sua pessoa a adorar esta divindade. Era casado com a sua irmã Ishtar (apesar de algumas fontes a indicarem como sua mulher).A sua função primordial era a de iluminar a terra, morada dos vivos, e a de decidir o destino dos mortos. Como era considerado, tanto o deus da justiça e da equidade, como o juiz dos vivos e dos mortos, ele deveria levantar-se diariamente da montanha de Leste  para iluminar a terra e ir pôr-se na montanha de Oeste, onde lhe sobejava a noite para descansar e ponderar o veredicto que deveria proferir sobre os mortos. Foi-lhe atribuída, também, a irrigação do jardim do Éden, chamado Dilmun[7], vindo a ser representado, simultaneamente:
1-     Com uma tiara octogonal na cabeça;
2-     De barba longa;
3-     Com uma adaga, na mão esquerda, para simbolizar a equidade e a justiça;
4-     Com seis raios solares a despontarem dos seus ombros;
5-     Com o pé esquerdo apoiado na terra[8], significando, com esse semblante, o jugo imposto sobre a terra e a força do seu poder justiceiro.  
Uma das representações de Shamash com a tiara octogonal que corresponde à estrela de oito pontas, símbolo de Shamash e de Ishtar

Era representado, ainda, de uma outra forma mais complexa: sentado no seu trono, tendo na mão direita os símbolos da justiça que eram o anel e o ceptro e, na mão esquerda, a adaga dentada[9]; em frente do seu trono encontrava-se a estrela de Ishtar colocada em cima de um tamborete, perante a qual se encontravam três adoradores ou solicitadores de justiça.

Uma outra das representações de Shamash[10]

Possivelmente a figura que se vê por cima do carro onde se encontra o trono de Shamash e que segura nas mãos as correias directrizes do coche é Bunene (um deus menor) cuja função era a de dirigir a carruagem de Shamash. De facto, algumas histórias sobre shamash dizem que havia “deuses solares secundários que auxiliavam o Grande Deus Sol em suas tarefas. Entre estes auxiliares estariam, por exemplo, Bunene (que dirigia o carro do Deus), Atgi-makh (mulher de Bunene), Mesahru (o Direito)  e Kettu (a Justiça)”[11]
 Cena de libação[12] a Shamash segundo Richelieu Sala 3


Nesta imagem vê-se: o disco solar; o deus shamash sentado com a tiara octogonal e, ao seu lado, um fiel devoto a oferecer-lhe libações.

II.4- SIN (ou NANNA)

Filho de Enlil e Ninlil, SIN (masc.) foi também um deus cultuado na Mesopotâmia, principalmente em UR, e na cidade de Babilónia como o Deus-Lua. Enquanto na Acádia, Babilónia e Assíria se chamava NANNA, entre os Semitas era chamado SIN. As suas cidades principais foram UR, no Su,l e Harran, no Norte da Mesopotâmia.

No entanto, parece que a sua origem se deve situar na Arábia, sendo levada para a Mesopotâmia pelos nómadas semitas, o que é muito compreensível, uma vez que a Lua era o astro orientador dos nómadas no deserto. Veio, depois, a receber na Acádia  o nome acádico Sinnu (do acad.  Su'en, Sîn).

Segundo algumas vertentes do mito, foi SIN que, da união sexual com NINGAL gerou Shamash (Utu) e Inanna (Ishtar), passando a formar com estes dois descendentes a Tríade representativa dos três principais elementos do Universo: a Lua, o Sol e a Terra. Consta que a esposa de Shamash era, inicialmente, Aya que foi absorvida por Ishtar[13].

Este deus, Sin, é identificado nos relatos bíblicos com Baal (em בַּעַל) que significa Senhor, Marido ou Dono (Dom) e com Bel acádico. Foi, pois, fácil aos gregos chamarem-lhe Belos e aos latinos darem-lhe o nome de Bellus. De Baal/Bel (msc.) derivou o nome plural Baalim e os seus correspondentes femininos baalath e Balaoth, respectivamente.
 SIN representado pelo Crescente Lunar[14]
Representação do Crescente Lunar simbolizando SIN/NANNA (entre o Sol simbolizando Shamash) e a Estrela, (simbolizando IHTAR) gravado no kudurru[15] de Meli-Shipak (Estrela de pedra) (1186–1172 a.C.), Museu do Louvre, Paris.
  Tamanho normal dessa Estrela [16]

II.5- MARDUQUE (ou MERODAQUE)

Marduque que, pelo menos em tempos posteriores, foi associado à água, à vegetação, ao julgamento e à magia, era tido como nascido de um incesto entre Enki e Ninhursa. Mas, com a sua consorte  Sarpanit  gerou Dumuzi, o mesmo deus que, na Bíblia, era conhecido por Tamuz e, no Egipto, por Osíris.
Marduque[17]

Era, normalmente, representado em cima de uma barca com quatro olhos e quatro ouvidos (para que tudo visse e tudo ouvisse),   com um colar (do qual pendiam vários círculos munidos, cada um, de uma estrela) e com um dragão aos pés.

Quando a cidade de Babilónia tomou o controlo da Mesopotâmia, por volta do ano 1950 a.C., Marduque foi declarado deus supremo de Babilónia e dos quatro cantos da terra. Este título foi-lhe atribuído, supostamente por ter vencido a batalha entre os deuses pelo controlo da Terra, à imagem do controlo político da cidade de Babilónia sobre as restantes cidades. Segundo a mitologia babilónica Marduk lutou contra a família do seu tio, Enlil e seus primos Nannar-Sin e Nimurta que contestavam a supremacia do seu pai, Enki em toda a Mesopotâmia. Saindo vencedor desta batalha, Marduk, por anuência de seu pai Enki foi considerado o deus supremo de Babilónia[18]. Segundo outra versão da mitologia suméria Enki aconselhou o seu filho Marduque para que combatesse contra Tiamat e o seu campeão Kingu. Aceitando o conselho de seu pai, Marduque lançou-se no renhido combate. Saindo vencedor, Marduque recebeu de Anu, não só o trono divino, mas também o ceptro de toda a Suméria[19].



Uma representação da deusa Tiamat Serpente


Noutra descrição, é o monstro do caos, a deusa primordial do oceano ou do Absu, isto é, da Água doce, a Mãe dos deuses menores.
Uma representação do Monstro Caos

Correspondendo ao deus semita NA, ANU tornou-se, na Acádia, o deus do céu e, mais tarde, passou a ser adorado, também, entre os Assírios e os Babiloneses. Desta forma, entrou no grupo dos principais deuses da mitologia suméria
[21].

Nome em cuneiforme[22] e uma das imagens[23] de ANU ou NA (Ur III)
                               
II.7- ISHTAR - DEUSA DA CHUVA, DA PRIMAVERA E DA FERTILIDADE 

Ishtar (IŠTAR) é a deusa acádios ou a deusa Inanna/Nammu, dos antecessores sumérios. Tinha o nome de Asterote entre os filisteus, de Isis entre os egípcios, de Astarte entre os fenícios. Os sumérios davam-lhe ainda o nome de Inanna.
Esta mesma deusa viria a ser denominada Easter na mitologia nórdica, à qual lhe atribuíam as prerrogativas da fertilidade, sendo representada pela Primavera. Além das representações que assinalámos anteriormente (nº 1), ela era, ainda, representada pelo planeta Vénus.

Diagrama de Inanna/Nammu (JCM)
Nome de Ishatar


Um dos mais importantes rituais em honra de Ishtar tinha lugar no Equinócio da Primavera, tempo em que os seus devotos pintavam e decoravam ovos (símbolo da fertilidade), enterrando-os em tocas nos campos. O seu culto era acompanhado, na maior parte das vezes, por libações, ofertas corporais e ainda por alguns rituais de carácter sexual, existindo, por isso, prostitutas sagradas. No portão de Ishtar[24], construído em Babilónia e considerado uma das maravilhas do mundo, encontrava-se o seu animal sagrado, ou seja, o leão.
Portão de Ishtar e o seu símbolo – o Leão[25]
Esse portão foi levado para o Museu Pérgamon de Berlin, ficando no Iraque, apenas, a sua réplica[26]. Na imagem seguinte, a deusa, no meio de outras divindades, empunha um ceptro em cujo topo reaparece o leão, vendo-se, do outro lado, a simbólica estrela[27].

Como a sua beleza era proverbial, ela foi sempre considerada a deusa do amor, a protectora da prostituição sagrada que era praticada nos templos a ela dedicados. Por vezes, era, também, “representada nua, segurando serpentes ou flores de lótus e com as mãos nos seios”  [28], ou simplesmente nua, com símbolos vitais nas mãos e ladeada de dois leões e dois  mochos que, embora na Idade Média tenham sido associados à bruxaria e feiticismo devido a serem aves nocturnas, na mitologia grega acompanhavam a deusa Palas Atena, por se pensar que possuíam a astúcia e a sabedoria.

Era representada, na maioria dos casos, pelas fases da Lua, por estas se coadunarem bem com o desenvolvimento e expansão (quarto crescente e lua cheia)  e com o enfraquecimento e termo dos ciclos vitais (quarto minguante e quarto negro).

Ora, a divindade feminina, sempre acreditada na Mesopotâmia, independentemente da importância e vicissitudes das várias cidades vizinhas, foi ISHTAR (= INANNA) por ser a deusa do amor, da guerra e da Fertilidade, sendo ela representada por vários símbolos.
II.7.1- Representações de Ishtar 
 II.7.1.1- Um Cone (inicialmente na Fenícia)
 Cone de Ishtar[29]

II.7.1.2- Uma vaca (na Fenícia, depois) …

Entre os Antigos Egípcios pela sensual Háthor (ou deusa-vaca)  que era considerada a soberana de um éden de felicidade perene, em cujo esplendor brotava o cobiçado fruto do amor, nascia a maviosa nascente da música, etc. A cidade principal onde ela era adorada era Dendera (pequena cidade situada na margem ocidental do rio Nilo), sendo, ali, venerada, sobretudo, por florescer o amor nas suas mãos divinais. Esta bela deusa, filha de Rá, foi também representada sob a forma de uma mulher com chifres entre os quais se encontrava o disco Uraeus[30]. Daí ser chamada, também,  "deusa-vaca". 
II.7.1.3- Uma mulher com características guerreiraas:

 Ishtar guerreira[31]
 
 II.7.1.4- Ou despida com um capacete, um globo lunar em cada uma das suas mãos; um par de asas, com os pés apoiados sobre dois leões e ladeada por dois mochos, tendo, cada um destes símbolos, o seu respectivo significado;
 Ishtar nua

II.1.5- Como a Grande Deusa-Mãe: representada nua, segurando os seios (ou serpentes e flores de loto);

 ISHTAR – A Grande-Mãe Mesopotâmica e um trecho da epopeia de Gilgamesh[32]

Figurinhas de Ishtar numas Escavações perto do templo de Salomão[33]
 
II.7.1.6- Amamentando uma criança:


“Astarte" ou "Ishtar", que no Egipto e na Síria tinha o nome de "Isis", encontra imajário semelhante no Cristianismo, nas pessoas de Maria e de seu filho, Jesus.

Efectivamente Jesus é considerado "o Sol Divino" {cujos fundamentos se encontram na expressão joanina "luz do mundo" (Jo 8,12), e na frase lucana (Lc 1,79) "sol que vem do alto para iluminar os que estão sentados nas trevas e nas sombras da morte" }, e o seu nascimento foi fixado, entre os Ocidentais, no dia 25 de Dezembro por ser nessa altura que, em Roma, se celebrava a festa pagã, em honra do deus Mitra que entre os Persas era considerado filho do deus Aúra-Masda. Esses festejos eram conhecidos pelo nome de "Natalis Solis Invicti" (nascimento do Sol invicto) e cocorriam por volta do Equinócio de Inverno, cuja passagem para o Equinócio da Primavera se dava entre os dias 24 e 25 de Dezembro.

Por outro lado, na mitologia grega, o deus Hélio (Ἥλιος), latinizado por Helius tornou-se a personificação do Sol, vindo a ser denominado “Sol-divino”. Daí ser fácil aplicar esta mesma expressão a Jesus que era considerado Deus.
Ora, crê-se ter sido entre os anos 336-354, ou seja, no tempo de Constantino I (que, além de imperador, era também o sumo pontífice em Roma do culto a Mitra) que se começou a celebrar o nascimento de Jesus no dia 25 de Dezembro. Com efeito, desejando ele unificar o seu império sob a égide do Cristianismo, pareceu-lhe bem substituir a celebração da festa de Mitra (Natalis solis invicti)  pela celebrarão do nascimento de Jesus a quem se atribuía um título parecido: o de “Sol divino”.


Representar, Maria, mãe de Jesus, da maneira como o representou o grande renascentista flamengo, Robert Campin (ca. 1380 - 1444) pareceu a muitos espíritos mesquinhos e hipócritas, durante muito tempo, uma ofensa ao pudor, como se, na realidade essa representação não tivesse sido uma acção comum no tempo da infância de Jesus ou como se tal fosse ofensivo a qualquer humano que passou por tempo e uso idênticos. Seria ofensivo para mim ou para qualquer dos aqui presentes supor que as nossas mães utilizaram um sistema parecido? Além disso, naqueles tempos e no meu, não havia biberões.





Mas, o certo é que nos primeiros séculos falava-se muito da Madona Lactante (Madona lactans) e, inclusive, nas Catacumbas de Priscila, em Roma, encontra-se uma imagem mural pertencente ao século II que apresenta Maria a amamentar Jesus Menino que se assemelha muito às das deusas-mães dos povos da Mesopotâmia, Egipto e Síria.

 Maria amamentando Jesus[34].
 


Ísis[35]                                                  Ísis e Horus[36]
       
  II.7.1.7- Com uma Aljava especial ou porta-flechas

Com um pé sobre um Lião, preso por uma trela atada à mandíbula superior e com um objecto de atrelagem, na mão esquerda.


II.7.1.8- Por uma estrela de seis ou oito pontas e um círculo no meio[37]

II.7.1.9- Pela estrela Sirius, ou planeta Vénus (ou Estrela da Tarde) tomando, assim, o lugar do deus Athar[38].

 II.7.1.10-De forma complexa:  

Além da estrela Vénus, Ishtar é representada de modo complexo: com o seu leão sagrado; cabelos entrançados e um vestido com sete rodados que podem ser retirados individualmente, conforme se verifica no Mito de Inanna ou de Ishtar

III- Matrimónio Sagrado e Prostituição cultual

Assim como os homens se uniam sexualmente e legitimavam essa união por meio do matrimónio, assim também os deuses das cidades-estados da Mesopotâmia, principalmente da Suméria supostamente se casavam, realizando casamentos sagrados que eram acompanhados de cerimónias apropriados. O exemplo mais comum era a celebração do casamento sagrado entre Inanna e Dumuzi (forma Suméria do deus   Tammuz, tido pelo deus da vegetação, da fertilidade e do mundo inferior) que era comemorado por volta do Ano Novo. Representava esta união, consumada por meio da união sexual, o próprio rei que se fazia acompanhar por uma nobre que era escolhida com muito esmero.
Inanna and Dumuzi[39]

Inanna and Dumuzi, criando a Árvore da Vida[40]

Como complemento desse casamento existia ainda uma outra cerimónia, conhecida sob o nome de "Prostituição Sagrada" que era normalmente realizada entre sacerdotes e sacerdotisas, sendo alegado que tal procedimento constituiria uma ocasião propícia a profundas experiências religiosas[41].

IV- Existência de Demónios 

Para além de deuses e deusas, os Mesopotâmicos, não só acreditavam na existência de demónios e de génios, mas procediam também à divinização de alguns dos seus heróis, à magia e à adivinhação dos seus feiticeiros e magos[42].

O vocábulo demónio que provém do grego Δαιμονιον (daimonion), através do latim daemoniu, significa ‘génio inspirador e tanto pode ser bom, como mau. No plural grego temos δαιμονία que , em hebraico se diz שֵּׁדִים and  אֱלִילִים (cf. Sal. 96,5; Deuteronomy 32:17). Cada um destas personagens tem por função dirigir o destino dos homens. A tradição judaico-cristã divinizou, por assim dizer, o anjo mau, tendo-o como aquele que se revoltou contra Deus, sendo, por essa razão, lançado nas profundezas do inferno. Este significado atribuído ao demónio é em diferente daquele que se atribuiu, mais tarde, ao "diabo" Diabo (do latim diabolus, que provém do grego  διάβολος, (diábolos) que tem o sentido de "caluniador", ou "acusador". Um bom artigo sobre a significação atribuída a este ser através da história encontra-se no site http://pt.wikipedia.org/wiki/Diabo.

Cada um destas personagens mesopotâmicas tem por função dirigir o destino dos homens. Esta luta entre os génios maus e génios bons auxiliavam os deuses na condução da humanidade e na luta contra a doença e contra a morte[43]. Consequentemente, existiu a crença de que tanto os espíritos bons, quanto os seus antagonistas tinham o poder de realizar milagres em prol ou em detrimento dos humanos respectivamente[44].

 V- Locais de Culto

Os locais de adoração prestada às divindades eram templos que eram construídos numa plataforma no topo dos Zigurates, ou seja, torres dotadas de diversas plataformas, em rampas ou em escadarias, características da Antiga Mesopotâmia, entre o 4.º milénio e o século VII (a. C.)[45]. O templo constituía o centro de toda a civilização das cidades sumérias, em particular e mesopotâmicas, em geral, sendo, portanto, à sua volta que circulava toda a actividade social, comercial e religiosa.

VI- Sacerdotes

Os sacerdotes, chamados patesi, eram representantes dos deuses e intermediários entre eles e os cidadãos, acumulando, para tal, funções sociais, políticas, económicas e religiosas[46].

Consequentemente, eles gozavam de certas prerrogativas, como por exemplo:
·    Não tinham necessidade de trabalhar nos campos, mas era-lhes atribuída a função de dirigir os trabalhos de construção dos diques e dos canais de irrigação, principalmente na Suméria ou Sul da Mesopotâmia;
·        Cabia-lhes a função de cuidar da adoração prestada aos deuses e interceder perante eles pelo bom sucesso dos cidadãos;
·        Era-lhes reservada a entrada no templo;
·        Tinham o direito de receber uma pequena parte das oferendas que os devotos faziam às divindades e do empréstimo que o devedor restituía ;
·       Tinham a obrigação de controlar as doações que eram feitas ao templo e, portanto, de prestar contas da administração das riquezas do templo, surgindo, daqui, tanto  o “sistema de contagem, como a escrita cuneiforme” [47].

VI.1- Os Deuses da cidade e a posse das terras de cultivo


A deusa  Baú Bau (ou ainda Babu, Bawa ou Baba (um nome que tem origem provavelmente onomatopaica do latido canino) que, em Lagash era tida por esposa do guerreiro Nin-Girsu (Cavaleiro de Girsu) e que presidia à ela irrigação e à fertilidade dos campos), “possui cerca de 3250 hectares, dos quais três quartos atribuídos, um em lotes, às famílias singulares; um quarto era cultivado por assalariados, por arrendatários (que pagavam um sétimo ou um oitavo do produto) ou pelo trabalho gratuito dos outros camponeses.

No seu templo trabalhavam 21 padeiros que eram auxiliados por 27 escravas, 25 cervejeiros com 6 escravos; havia 4 mulheres encarregadas do preparo da lã, fiandeiras, tecelãs, um ferreiro, além dos funcionários, dos escribas e dos sacerdotes” [48].

VI.2- Sacrifícios na Mesopotâmia

Por se acreditar que os deuses pediam sacrifícios violentos, imolavam-se nas aras sacrificiais não só animais, mas também humanos, adultos e crianças, sendo acompanhados de orgias sexuais[49]. Já antes de ser introduzido na Mesopotâmia o Zoroastrismo (Masdaísmo ou Parsismo), fundado na antiga Pérsia por Zaratusta ou Zoroastro no século VI a. C., a religião seguida pelas populações indígenas aparentava-se muito com o Vedismo Indiano. Além de sacrifícios sangrentos oferecia-se a bebida (haoma), chamada soma, em sânscrito e que era muito apreciada nesses rituais sacrificiais[50].

A prática dos sacrifícios cruentos e as abluções preparatórias tinham lugar nos 1º,7º e 15º dias do mês, como se diz no texto seguinte:

“No primeiro, no sétimo e no décimo quinto dia do mês, devo fazer um ritual de purificação por lavagem. Então, um deus deverá ser sacrificado. E os deuses poderão ser purificados por imersão. Nintu (senhora que dá à luz) deverá então misturar a argila com a carne e sangue [deste deus]. Então, homem e deus irão existir juntos na argila. Que o rufar dos tambores seja ouvido para sempre, que o espírito venha a existir a partir da carne do Deus, que a deusa proclame então este ser como um símbolo vivo dela mesma. Que a deusa ensine ao ser que viver desta grande dádiva. E que para tal fato jamais seja esquecido, que o espírito permaneça para sempre[51].

Deusa Nintu (Senhora que dá à luz)

Fonte: http://www.google.pt/imgres?imgurl=http://www.pep-web.orgdocument.php%3Fid%3Djoap.029.0125.fig001.jpg&imgrefurl=http://www.pep-web.org/document.php?id%3Djoap.029.0125a&h=872&w=640&sz=111&tbnid=mlbKbbN3x6Ul6M:&tbnh=101&tbnw=74&zoom=1&usg=__TCaj98lf-C79fZBFZP9pydjXbLM=&docid=l2ShwCSlCKAboM&hl=pt-BR&sa=X&ei=-G_1ULPIBoaWhQf1ioD4Ag&ved=0CD4Q9QEwAg&dur=24

VII – Conceito da vida futura

A concepção da vida futura não era muito clara. Acreditava-se, no entanto, que os mortos iriam para junto de Nergal, o deus sumério da guerra e da morte e que, além destas funções, desempenhava aquela de guardar um reino misterioso donde ninguém poderia voltar[52].

Nergal[53]
Efectivamente, embora acreditassem na existência da vida futura[54], os mesopotâmicos parece não acreditarem que ela dependesse da “subsistência do espírito através de objectos materiais ou da sua imagem[55].

Os mesopotâmicos seguiam uma espécie de teocracia semelhante àquela que na Idade Média se criou na Europa. O rei não era apenas um chefe absoluto, mas também o representante do deus da cidade[56].

VIII- Epopeias Mesopotâmicas

VIII.1- Enuma Elish

Este poema épico babilónico versa sobre a Criação do Universo. Foi escrito em sete tabuinhas, possuindo cada uma entre 115 e 170 linhas de texto, em língua cuneiforme. Apresenta, entre outros, os feitos grandiosos e heróicos do deus Marduque e descreve-o não somente como o patrono não apenas da cidade de Babilónia, mas também como o seu deus protector e o deus supremo dos céus e da terra. Foi elaborado com um objectivo catequético-didáctico para ser recitado na Festa do Ano Novo.
Parte do texto da epopeia Enuma Elish[57]


Eis um excerto, em português, desse poema:

"Quando o céu, acima, não possuía ainda nome
Nem a terra abaixo era pronunciada por nome,
Apsu, o primeiro, o criador de ambas as coisas
E o fabricante Tiamat, que os importunava a todos,
Misturaram suas águas,
Mas não formaram os pastos, ou descoberto as camas de junco;
Quando os deuses não se tinham manifestado ainda,
Nem nomes pronunciados, nem destinos criados,
Então os deuses foram criados dentro deles»[58].

III.2- Gilgamesh
Trata-se de uma outra epopeia babilónico-suméria que, tendo por personagem principal Gilgamesh, é composta em doze cantos com cerca de 300 versos. Este herói tem sido reconhecido, modernamente, como o percursor de Héracles que é também herói de algumas antigas histórias folclóricas, principalmente da Fenícia.


Gilgamesh, que é tido por “filho da deusa Ninsun (ou Ninsuna) e do sacerdote de Kullab” (um dos distritos da cidade de Uruk), tornou-se o “quinto rei de Uruk, após a catástrofe do dilúvio”. Imortalizou-se sobretudo pelas grandes construções que ergueu, como, por exemplo, as “muralhas, um grande fosso e o templo de Eanna,") e pelas funções que desempenhou na sociedade como “uma espécie de juiz da morte”[60]. Venceu Humbab que era um monstro poderosíssimo que foi criado pelo deus Sol (Utu), para guardar a Floresta dos Cedros morada dos deuses.

Essa epopeia, escrita em tabuinhas de terracota e decifradas apenas no século XX, narra algumas aventuras tidas pelo grande Rei de Uruc (Gilgamesh) para procurar a planta da imortalidade e cimentar a sua amizade com Enkidu. Uma dessas aventuras foi ter de combater e vencer o guardião da Floresta dos Cedros onde moravam os deuses. Esse gigante chamava-se Humbaba (segundo os assírios) ou Huwawa (segundo os babiloneses) e tinha sido criado pelo deus Sol (Utu) para guardar esse lugar sagrado.

Enkidu auxilia Gilgamesh
na derrota e morte de Humbaba, o monstro guardião da floresta dos Cedros[61].
Embora a “a edição mais completa” deste poema procede da “biblioteca de Assurbanípal, último grande rei do império Assírio», a sua versão original parece datar dos primeiros séculos do segundo milénio a.C.[62].

   
 Referências

[3] http://en.wikipedia.org/wiki/Enlil
[4] http://www.algosobre.com.br/sociofilosofia/dualismo.html
[10] Ibidem.
[14] http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Kudurru_Melishipak_Louvre_Sb23_n02.jpg
[15] Un kudurru est une stèle de donation de terre dans le royaume de Babylone  «http://fr.wikipedia.org/wiki/Kudurru».
[20] [19] Ibidem  (13-07-2012)
[21] http://www.google.pt/search?sourceid=navclient&hl=pt-PT&ie=UTF-8&rlz=1T4SKPB_pt-PTPT322PT330&q=Anu+-+deus+do+C%c3%a9u+
[26] Ibidem
[27] Ishtar in the middle of Gods holding the lionsceptre and a scimitar.
 (24-07-2012)
[29] http://art.thewalters.org/detail/23862/lipit-ishtar-cone/
[30]


O disco Uraeus representa o olho do deus criador que depois de ter sido roubado, e r encontrado, se derrete em lágrimas ao ver o seu lugar ocupado. Dessas lágrimas nasceram os homens. Para Apaziguar o “olho”, Rá transforma-o em serpente-uraeus e coloca-o na fronte como símbolo do seu poder. Assim aparece esse disco no diadema dos faraós. Mas esse mesmo diadema também pode ser visto sobre a cabeça de Ísis.
[33] “Estatuetas judaítas de pilar” feitas de cerâmica, representando Deusas da fertilidade. Trata-se de estatuetas encontradas, em 1960, pela arqueóloga inglesa Kathleen Kenyon numa caverna perto do templo de Salomão em Jerusalém (THE FORBIDDEN GODDESS, 1993). Fonte: MAZAR (2003, p. 476). http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_arquivos/8/TDE-2012-02-27T142808Z-959/Publico/ANA%20LUISA%20ALVES%20CORDEIRO.pdf.
[34] http://aigrejaromana.blogspot.pt/2012/06/virgem-maria-e-os-primeiros-cristaos.html e também em
http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/jesus-nao-nasceu-em-25-de-dezembro/
[35] _3p78D8a4jBWH_P2ZaRAgvcA9usI=&docid=30-ekHNGRbN2KM&sa=X&ei=WA9zUOncIomWhQfMjoHICA&ved=0CDoQ9QEwBA&dur=89
[37] Matias, José Coelho (2010, Volume. I, 131).
[44] http://pt.wikipedia.org/wiki/Segundo_Imp%C3%A9rio_Babil%C3%B4nico
[48] Ibidem
[51] http://www.angelfire.com/me/babiloniabrasil/relig.html
[54] http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/civilizacao-mesopotamica/mesopotamia-e-seus-povos-1.php
[55] http://factortigre.blogspot.pt/2010/12/arte-da-mesopotamia.html e ainda em: http://www.coladaweb.com/historia/mesopotamia/economia-e-sociedade-mesopotamica
[60] http://www.forumnow.com.br/vip/mensagens.asp?forum=80223&grupo=142653&topico=2910852&pag=1
[61] Na mitologia acádica Humbaba (nome assírio) ou Huwawa (nome sumério), ou também Humbaba, o terrível era um gigante monstruoso dos tempos imemoriais e foi criado por Utu, o Sol. Humbaba era o guardião da floresta dos cedros, onde viviam os deuses, pela vontade do deus Enlil que fez de Humbaba o terrpr dos seres humanos. Ele é irmão de Pazuzu e Enki e filho de Hanbi. {cf. http://www.crystalinks.com/sumergods.html (24-07-2012)}

  Bibliografia

Andars, N. K (1992), A epopeia de Gilgamesh. São Paulo: Martins Fontes, p. 11-12.
Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts (2001). New York: The Free Press,.
Bíblia, V. T. Génesis. Português (1969). A bíblia sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, Cap. 1-9.
Bouzon, Emanuel (l998). Ensaios babilónicos: sociedade, economia e cultura na Babilônia pré-cristã. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 126.
Campbell, Joseph (1976). The Masks of God: Occidental Mythology. New York: Penguin,.
Charpin, Dominique (1984). El mundo de la biblia: Mesopotamia y la biblia. Valencia: EDICEP, p. 9
Chartier, Roger (1992). “Textos, impressão, leituras”. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, p. 211-238.
 Finkelstein, Israel; Silberman, Neil Asher (2001). The Bible Unearthed. Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts. New York: The Free Press, , p. 38.

Gilgamesh (trad. da versão Sin-Leq-Unninnt para o inglês por John Gardner and John Maier, c/ Robert Henshaw),
Gilgamesh, Tradução de Pedro Tamen, Lisboa, Nova Vega, 1989 (Prefácio e ilustrações de Luís Alves da Costa), reedição em 1990 e 2007.
Gilgamesh, Tradução de Pedro Tamen, São Paulo, Ars Poetica, 1992 (Prefácio de Norberto Luiz Guarinello, e capa de Luís Alves da Costa)

Grelot, P. (180). Homem quem és? São Paulo: Edições Paulinas,.
Guirand, Felix (1968). "Assyro-Babylonian Mythology". New Larousse Encyclopedia of Mythology (trans. Aldington and Ames, London: Hamlyn, 1968), pp. 49–72.
Holy Bible (1972). King James Version. Thomas Nelson INC. Camden,
Jastrow, Morris (2002). "Descent of the Goddess Ishtar into the Lower World" (The Civilization of Babylonia and Assyria, 1915). Sacred-Texts. 2 June, 2002.
Kirk, Keith Griffiths, Stephen Quay (1973). Myth: Its Meaning and Functions in Ancient and Other Cultures. Berkeley: Cambridge UP,.
Keith Griffiths, Stephen Quay (1985).,The Epic of Gilgamesh Trans. N. K. Sandars. Harmondsworth: Penguin.
Matias, José Coelho (2010). “L’histoire d’un village portugais narrée par des bas-reliefs rupestres ». In Crossing Boundaries in Culture and Communication. Volume. I, 131. Romanian-American University :Editura Universitarã.
Ottermann, Monika (2005). Morte e Ressurreição na Suméria: A Descida ao Inferno” de Inana e de Dumuzi e processos de posse e perda de poderes divinos e humanos”. (Uma versão abreviada deste ensaio foi apresentada no III Seminário Internacional Archai, “Morte e Vida às Origens do pensamento ocidental”, na Universidade Estadual de Rio de Janeiro, no dia 9 de Dezembro de 2005.
 Cf: http://www.oracula.com.br/numeros/012006/artigos/Ottermann.pdf.
Powell, Barry (2008). Classical Myth: Sixth Edition.Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.
Tigay, Jeffrey (1982). On the evolution of the Gilgamesh Epic. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, , p. 11.
Wolkstein and Kramer (1983). Inanna: Queen of Heaven and Earth. New York: Harper & Row.
Wilkinson, Philip (1998). Illustrated Dictionary of Mythology. NY: DK.
Zilberman, Regina (1998). Nos princípios da epopeia: Gilgamesh. In: BAKOS, Margaret Marchiori; Pozzer, Katia Maria Paim. Jornada de Estudos do Oriente Antigo: Línguas Escritas e Imaginárias, 3., 1997, Porto Alegre. Anais ... trabalho 4. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 58.




Sem comentários:

Enviar um comentário