terça-feira, 27 de março de 2012

Capíotulo 8 Os Ovos e os Coelhinhos de Páscoa

Conteúdos
1- Semelhanças e diferenças entre a Páscoa Hebraica e Páscoa Cristã
2- O Ovo como símbolo da Fertilidade e da Renovação
3- O Coelho como símbolo da Páscoa
4- Como se propagaram ambos os símbolos no mundo cristão
4.1- Os ovos pintados
4.2- Dos ovos de galinha pintados aos ovos de Fabergé
4.3- Tradição do Coelho com os seus ovos de Páscoa
Bibliografia




1- Semelhanças e diferenças entre a Páscoa Hebraica e Páscoa Cristã
Embora se diga que a Páscoa Cristã revitaliza a Páscoa Hebraica, será bom esclarecer que nem tudo na segunda corresponde exactamente aos usos e costumes da primeira. Existem, sim, semelhanças, mas essas são ultrapassadas, de longe, pelas diferenças.
Se, por um lado, a Páscoa Cristã se apresenta como a celebração da passagem da escravidão para o estado da libertação, à semelhança da Páscoa Hebraica, o cordeiro imolado desta última foi substituído, por uma única vez, pela sacrifício de Jesus Cristo, constituindo este facto a maior diferença entre ambas essa Páscoas.
Outras semelhanças existem no que respeita à Refeição comemorativa dessa “Passagem”. Enquanto na Páscoa Hebraica a Refeição comemorava a saída, à pressa, do Egipto, a Refeição da Páscoa Cristã chamou-se a Última Ceia por comemorar a última refeição que Jesus tomou com os seus discípulos e que, por sinal, teve lugar no período da comemoração da Páscoa Hebraica. Também aqui existem semelhanças, na fracção do pão e na participação do mesmo cálice de vinho, que foram ultrapassadas pelas diferenças porquanto a Última Ceia foi consagrada onde o pão e o vinho passaram a significar o corpo e o sangue de Cristo na Eucaristia.
Outras semelhanças e diferenças podem encontrar-se entre ambas as Páscoas no que diz respeito à verdade da Renovação da Natureza. Se a Páscoa Hebraica era celebrada por volta do Equinócio da Primavera em comemoração do início da nova Estação –, renascendo com ela a Natureza –, a Páscoa Cristã é igualmente celebrada nessa mesma altura e dá-se-lhe a significação de uma nova vida – a Ressurreição de Cristo.
Perante estas semelhanças e diferenças não é de admirar que também fossem adoptados no Cristianismo, os usos e os símbolos que eram mais comuns na Páscoa Hebraica, como o uso dos Ovo e do coelho, realidades aliás utilizados igualmente noutras civilizações antigas como símbolos da fertilidade e da renovação.
2- O Ovo como símbolo da Fertilidade e da Renovação
Percorrendo a literatura dos povos antigos vamos encontrar o uso do Ovo como símbolo do Renascimento da vida. Vejamos o seu uso nalguns povos anteriores ao Cristianismo.
Começando pela tradição hebraica, podemos dizer que, uma vez que o ovo não perde a sua forma, mesmo depois de cozido, como acontece com os outros alimentos, ele foi escolhido como símbolo do Povo de Israel, sendo por isso, que na Ceia Pascal o chefe da família se levanta em determinado momento e diz esta frase: “"O povo de Israel é como esse
ovo, que, quanto mais cozido na dor e no sofrimento, mais preserva sua unidade e a sua identidade"[1].
Segundo Juan-Eduardo Cirlot
[2], o ovo é o símbolo da imortalidade, sendo usado “na escrita hieroglíficas dos egípcios, por ser considerado como contendo em si o que é potencial, o princípio da geração, o mistério da vida. Por esta mesma razão tem sido utilizado pelos alquimistas. Enfim, o ovo é o símbolo cósmico na maioria das tradições, desde a Índia até aos druidas celtas.
Assim, para os Egípcios, o deus Re, nasceu de um ovo, enquanto para os Indus, Brahma surgiu de um ovo de ouro – Hiranyagarbha, fazendo da casca o Universo. Na Índia considera-se ainda que o ovo cósmico, nascido das águas primordiais, foi chocado pela gansa chamada Hamsa e que o que nasceu desse ovo é o Espírito, ou Sopro divino que se separou em duas metades para formarem o Céu e a Terra, sendo este facto a polarização do Andrógino
[3] ou do Hermafrodita. Por isso, “na tradição tântrica e hindu, Shiva, um ser andrógino, é frequentemente representado abraçado a Shakti, a sua própria potência e essência feminina eleita a divindade” (…), passando o andrógino a ser “sinónimo de totalidade, tanto no princípio como no fim dos tempos, reunindo em si a plenitude, roubada pela divisão dos sexos que a união do casamento volta a reunir”. Exemplo da androginia encontra-se nas antigas mitologias de “Adónis, Castor e Pólux”, assim como de “outras divindades que em geral têm uma natureza bissexual, reproduzindo-se a partir de si mesmas, dado que encerram em si as naturezas feminina e masculina”[4].
O mito grego de Castor e Pólux narra o nascimento estes dois personagens como fruto de ovos "postos" por Leda, rainha de Esparta
[5], ao ser seduzida por Zeus, que lhe apareceu sob a forma de um cisne[6]. Além do nascimento destes dois personagens, outros ovos da mesma Leda “deram origem aos deuses Dióscoros, usando cada um deles um toucado semi-esférico”[7] . O ovo era, na verdade, considerado por diversos povos antigos, como a origem dos humanos[8].
Segundo a mesma fonte
[9], “o Yin-yang chinês, polarização da Unidade primeira, apresenta um símbolo idêntico nas suas duas metades, negra e branca”[10]. Seguindo esta mentalidade muitos heróis chineses foram considerados como gerados a partir de ovos fecundados pelo Sol, ou a partir da ingestão pelas suas mães de ovos de aves[11] e P’an Ku, nasceu de um ovo cósmico[12].
Na antiguidade os ovos, símbolos da renovação da natureza eram enterrados nas terras de cultivo pelos agricultores na esperança de obterem uma boa colheita e existiu igualmente o costume de alguns serem pintados para serem oferecidos entre amigos e familiares
[13].
3- O Coelho como símbolo da Páscoa
Já no antigo Egipto, o coelho (ou a lebre) era símbol da fertilidade devido à sua incrível capacidade de procriação.
Quanto ao coelho da Páscoa, parece ter a sua origem na lebre sagrada da deusa Eastra (Harek), uma deusa germânica da Primavera
[14].
Era ela, a lebre ou coelho, que trazia os ovos. Noutras regiões, como na Westphalia (Alemanha), tal papel era exercido pela "raposa da Páscoa". Na Macedónia (Grécia) essa função cabia à "Paschalia" que significava o "Espírito do dia"
[15].
Efectivamente, em várias regiões, a lebre é considerada uma divindade. Ela está relacionada com a deusa lunar Hécate na Grécia; e, além da deusa Eastra, tem-se o seu equivalente que é a deusa Harek
[16] dos germanos, que era acompanhada por lebres[17], consideradas como símbolos da fertilidade, devido à grande capacidade de se reproduzir. Segundo os anglo-saxões e também os chineses, o coelho ou a lebre encontra-se associada à Primavera, embora segundo a tradição bíblica (Deuteronómio, 14:7), este animal seja considerado um animal imundo[18].
Por essa razão a mitologia egípcia dá “o aspecto de lebre ou coelho ao grande iniciado Osíris que é despedaçado e deitado nas águas do Nilo como garantia da regeneração periódica”. É curioso notar que ainda nos nossos dias os camponeses Xiitas da Anatólia explicam a proibição alimentar em relação à lebre dizendo que este animal é a reencarnação de Ali (o verdadeiro intercessor entre Alá e os Crentes)
[19].
Na Índia “pode citar-se a Sheshajataka onde o Bodhissattva aparece sob a forma duma lebre para se lançar em sacrifício no fogo”
[20].
No Taoismo, a Lua e a lebre morrem para renascerem, tornando-se esta imagem na teologia taoista, a preparadora do o elixir da imortalidade, sendo a “lebre representada a trabalhar à sombra duma figueira, a moer ervas num almofariz”
[21].
4- Como se propagaram ambos os símbolos no mundo cristão
4.1- Os ovos pintados
Como a Páscoa Cristã comemorava a morte e a ressurreição de Cristo, isto é a passagem da morte à vida e calhava mais ou menos no fim do Inverno e princípios da Primavera, tomou-se tanto esse rito, como a festa pagã correspondente e cristianizaram-se, uma vez que o ovo poderia muito bem simbolizar a morte e a ressurreição (vida nova) de Cristo.
O costume de pintar os ovos no cristianismo, à imitação dos Egípcios, começou no Oriente, sendo os Ortodoxos os grandes especialistas dessa arte. Parece ter-se propagado, primeiro na Rússia, passando deste país, depois, para a Grécia, vindo a predominar as cores vermelhas.
4.2- Dos ovos de galinha pintados aos ovos de Fabergé
Na Bulgária existe a luta do ovo. Cada jogador toma ovos nas mãos e luta, tentando chegar ao fim da luta com eles intactos. Quem ganhar será o mais feliz durante o ano que aí começa e finda na Páscoa seguinte.
A tradição da oferta de ovos passou à Inglaterra, onde Eduardo I oferecia aos seus protegidos ovos banhados a ouro
Em França Luís XIV introduziu o costume de oferecer ovos de madeira, porcelana, metal nos quais introduzia surpresas. Por exemplo, Luís XV presenteou a sua amante Madame du Barry com um ovo onde estava pintado a estátua de Cupido.
Estas tradições inspiraram Peter Carl Fabergé a criar os famosos “Ovos Fabergé” que são decorados com desenhos cheio de detalhes e crivados de pedras preciosas, sendo todos eles criados para a família imperial russa, medindo cada um cerca de 13 centímetros.
Os ovos podiam ser feitos de prata, ouro e cobre ou de pedras semi-preciosas encontradas na região, como o quartzo,o jade e a lápis-lázuli. No século XIX, poucas cores eram utilizadas e a esmaltação translúcida era uma técnica muito apreciada.
Fabergé criou mais de 140 tonalidades. Sobre a base do ovo era feito um desenho, que era coberto de muitas pedras preciosas, principalmente diamantes. Eram jóias muito sofisticadas e de enorme valor, feitas em ouro, diamantes e pedras preciosas, aludindo aos tradicionais ovos de Páscoa.
A tradição dos ovos de Fabergé começou em 1885, quando Alexandre III, czar da Rússia, procurou o mais famoso joalheiro da corte, Peter Carl Fabergé
[22] e encomendou um ovo de Páscoa para dar de presente a imperatriz Marie Feodorovna.
No ano seguinte fez a mesma coisa e assim continuou fazendo até sua morte. Fabergé era a mais importante joalheira existente na Rússia ao final do século XIX e início do século XX.
A essa joalheira, os czares russos encomendavam a confecção de ovos de Páscoa para serem oferecidos por ocasião da festa.
Os ovos Fabergé foram todos criados para os czares Alexandre III e seu filho, Nicolau II, no período de 1885 a 1917, sendo oferecidos durante a Páscoa entre os membros da família real. O último dos ovos foi feito em 1917, visto que o imperialismo russo estava a atingir o seu termo. Uma vez que as greves e revoltas populares anunciavam a queda do czar Nicolau II, Fabergé decidiu encerrar a sua joalharia, em 1916, poi que ela era considerada pelos revolucionários como um símbolo da riqueza pervertida do imperialismo czarista. Efectivamente, a 15 de Março de 1917 o Czar Nicolau II abdicou, sendo preso e levado com a família para a Sibéria, deixando encomendados ainda dois ovos cujas temáticas ficaram conhecidas por “Madeira de Karelia” e “Constelação”, mas que nunca vieram a ser terminados
[23].
Actualmente são jóias raríssimas, e quando alguma peça destas aparece num leilão de arte chegaa atingir o belo montante de cinco milhões de dólares americanos, ou seja, cerca de 3.759.398 €
[24]
Actualmente, a Casa Fabergé está representada na França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. Mas os artistas de agora reproduzem os desenhos dos originais do século XIX e inícios do século XX, mas em séries limitadas
[25].
4.3- Tradição do Coelho com os seus ovos de Páscoa
Como no antigo Egipto o coelho simbolizava o nascimento e a nova vida e nalguns povos da antiguidade era símbolo da Lua, do amor e da fertilidade[26] é possível que este animal se tenha tornado símbolo pascal devido ao facto de a Lua determinar a data da Páscoa.
Este animal tornou-se popular na Alemanha, como símbolo da Páscoa. As crianças esperavam que os coelhos lhes trouxessem os ovos da Páscoa e esta convicção propagou-se na América do Norte e no Brasil, através dos alemães que para ali emigraram, entre os finais do século XVII e inícios do século seguinte
[27].
Ao contrário das crianças alemãs, as crianças checas esperam que os presentes pascais lhes sejam trazidos pelas cotovias
[28] (aves muito comum também em Portugal) e as crianças Suíças esperam que os ditos presentes lhes sejam ofertados pelos cucos, não fossem estas aves utilizadas para anunciarem as horas do dia por meio dos célebres “relógios cuco”!
Notas
[1][On-line] [ Consult 26-03-2012] Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/por-que-o-ovo-e-o-coelho-sao-simbolos-da-pascoa.
[2] Dicionário de Símbolos, p. 435
[3] Chevalier et Gheerbrant, 1994, p. 497
[4] [On-line] [ Consult 27-03-2012] Disponível em: http://www.infopedia.pt/$androgino
[5] Fontana, 2004, p. 145
[6] Dicionário de Símbolos, p. 435.
[7] Chevalier et Gheerbrant, 1994, p. 497
[8] "Páscoa: que significa realmente?" in Jornal da Tarde, 7 de Abril de 1982.
[9] Ibidem
[10] Chevalier et Gheerbrant, 1994, p. 497
[11] Ibidem.
[12] "Os ovos" in "Homem Mito e Magia" da Ed. Três, v. III, pag.718.
[13] "PÁSCOA" in Enciclopédia Delta Universal, v.11, pag. 6125 (ed.80).
[14] "Os ovos" in "Homem Mito e Magia"...
[15] Ibidem
[16] “Na mitologia, Hécate era filha dos titãs Perseu (masc.) e Asteria - (fem. Gr.: Ἀστερία, "das estrelas, a estrelada”) (…) Como Diana, a caçadora, Hécate pertence à classe das deidades portadoras de archote (…) Embora os cães fossem os animais mais sagrados para ela, Hécate estava associada às lebres na antiga Grécia, como a sua equivalente germânica, a deusa lunar Harek. Na arte, Hécate é muitas vezes representada como uma mulher com três cabeças, com serpentes sibilantes entrelaçadas em seu pescoço. Por essa razão, ela é chama­da de Triforme — símbolo que pode estar ligado aos três níveis. Nascimento, Vida e Morte (representando o Passa­do, o Presente e o Futuro) e à trindade da Deusa Tripla: Virgem, Mãe e Anciã [http://www.astrologosastrologia.com.pt/hecate_RitualInvocacaoHecate.htm].
[17] "Lebre" in "Dicionário de Símbolos" de Cirlot, pag. 337.
[18] "Páscoa, comemoração universal" in Shopping News-City News-Jornal da Semana, 26 de Março de 1989, pag.43. Cf. [On-line] [ Consult 26-03-2012] Disponível em http://www.angelfire.com/in/zadoque/peschah.html.
[19] Chevalier et Gheerbrant, 1994, p. 403.
[20] Ibidem.
[21] Ibidem.
[22] Peter Karl Fabergé, nasceu em 18/05/1846 em São Petersburgo, Rússia e teria como nome de baptismo Karl Gustavoich Fabergé.
[23] [On-line] [ Consult 26-03-2012] Disponível em: http://virtualia.blogs.sapo.pt/43173.html.
[24] (1€=1.33UsaD cotação de 27 de Março de 2012).
[25] [On-line] [Consult 26-03-2012] Disponível em: http://www.girafamania.com.br/europeu/materia_russia-faberge.html
[26] Fontana, 2004, p. 158.
[27] [On-line] [ Consult 26-03-2012 ] Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Coelhinho_da_P%C3%A1scoa.
[28] “A cotovia-de-poupa é uma espécie que se encontra bem distribuída por toda a Europa. Tem um bico castanho claro, comprido e encurvado e uma cauda curta arruivada na parte exterior. A parte superior do corpo é malhada de castanho e castanho amarelado, sendo o peito e o abdómen mais claros. Chega a medir 17 cm de comprimento, e voa sozinha ou em grupos que não ultrapassam os 10 indivíduos. Alimenta-se de sementes e insectos e nidifica entre Abril e Junho numa cova no chão. Põe entre 3 a 5 ovos de cor branco sujo com manchas castanho avermelhadas, que são incubados pela fêmea durante 12/13 dias” [http://www.bragancanet.pt/patrimonio/faunacotovia.htm].

Bibliografia
Chevalier, Jean et Cheebrant, Alain (1994). Dicionário dos Símbolos. Mitos, Sonhos, Costumes, Gestos, Formas, Figuras, Core, Números. Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Lisboa: Editorial Teorema.
Cirlot, Juan Eduardo (1997). Diccionario de Simbolos. Edição/reimpressão: 1997. Páginas: 480. Editor: SIRUELA. Idioma: Espanhol.
Enciclopédia Delta Universal, 15 volumes, Rio de Janeiro, Editora Delta. SA., 1932.
Fontana, David (2004). A Linguagem dos Símbolos – Uma chave ilustrada para os Símbolos e seus Significados. Lisboa: Editorial Estampa.
Shopping News-City News-Jornal da Semana, 26 de Março de 1989, pag.43.

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